Intervenção de Adelino Granja na reunião da MN de 19.nov sobre a proposta de revisão constitucional
Fomos confrontados nesta Mesa Nacional (MN) com uma proposta/projeto de revisão da Constituição já anunciada e divulgada publicamente. Não se trata de uma proposta apresentada para discussão e votação nesta MN. Trata-se de um facto consumado.
Mais uma vez, a MN não tem qualquer responsabilidade ou intervenção numa matéria que consideramos muito importante.
Porém, e no sentido de contribuirmos para uma discussão mais alargada, apresentamos as seguintes observações:
Na exposição de motivos que sustenta a proposta que o Bloco apresentou constam as seguintes passagens:
«esta revisão ocorre sob a vigência de um longo ciclo de ofensiva liberal»,
«(…) as maiorias PS/PSD consumaram sucessivas revisões constitucionais de sentido regressivo, levando ao enfraquecimento da Lei Fundamental enquanto esteio de direitos. Importa que o presente processo de revisão não repita esse caminho, já por sete vezes percorrido»
e, «ainda considerando a natureza da complexa crise capitalista internacional que define também os problemas de Portugal, o Bloco de Esquerda apresenta-se a este processo de revisão ordinária da Constituição para impedir que se concretizem as intenções que originaram a abertura deste processo.»
Consideramos algumas dos pontos interessantes. Porém, consideramos um atropelo aos princípios do partido, no que se refere aos direitos dos trabalhadores e à sua relação com as entidades patronais, o que consta (pg. 3) sobre o «direito dos trabalhadores à participação nos lucros da empresa (…)», o que colide com o espírito da nossa Constituição e com o que o partido sempre defendeu, a separação entre o Trabalho e o Capital.
É proposta, igualmente, uma alteração ao artigo 89º. (Participação dos trabalhadores na gestão), aditando um ponto 2. para propor «a presença de um representante eleito diretamente pelos trabalhadores nos órgãos de gestão», para além de uma alínea g) no artigo 59º. (Direitos dos trabalhadores) para «a participação nos lucros da empresa em termos a definir por lei», conforme anteriormente referido.
Ambas as propostas esbarram com os princípios orientadores do BE. O Grupo Parlamentar do BE vai propor uma espécie de constitucionalização da abolição da luta de classes?
A participação nos lucros do capital e nos órgãos de gestão das empresas privadas significa que os trabalhadores passam a identificar-se com a melhoria dos lucros das suas empresas ou que se encontram em concorrência com os trabalhadores das outras empresas?
Os trabalhadores das empresas concorrentes passariam, portanto, a ser seus rivais em vez de seus aliados?
As greves por salários, por exemplo, passariam a ser contra os interesses dos «trabalhadores-lucradores»?
Com estas propostas estaremos a defender o socialismo? Não! Estamos a cair nas armadilhas do liberalismo e do capitalismo. Estamos a defender a extinção do socialismo da nossa Constituição. Estamos a abafar o «marxismo e o socialismo». É a sinistra doutrina do corporativismo contra a luta de classes.
A nossa história, a luta dos trabalhadores contra o capitalismo, o espírito na Constituição de Abril, são valores que não queremos que se apaguem, muito menos por iniciativa nossa. Não colocaremos o socialismo na gaveta, como muitos desejam.
As instituições europeias têm pressionado os Estados-Membros e os parceiros sociais a promoverem a consagração de diversas formas de participação financeira dos trabalhadores nas empresas.
Existe já no ordenamento jurídico interno um pequeno conjunto de incentivos à adoção de mecanismos de participação dos trabalhadores nos lucros.
Já no ano de 1960, o legislador português criou um incentivo à participação dos trabalhadores nos lucros, ainda que com uma intencionalidade e propósitos políticos diferentes dos atuais.
Nos termos da Lei nº. 2105, de 6 de junho de 1960, que fixava um limite à remuneração de gerentes e administradores de empresas públicas e outras que tivessem intervenção ou gozassem de benefícios do Estado, o referido limite poderia subir para o dobro se aos trabalhadores da empresa fosse atribuída participação nos lucros. Esta lei foi assinada por Américo Thomaz e António de Oliveira Salazar e revogada pelo Decreto-Lei nº.446/74, de 13 de setembro. Foi uma das medidas do pós-25 de abril.
Pensamos, e numa perspetiva de colaboração com o Grupo Parlamentar, que esta proposta poderá ser severamente prejudicial ao partido, não só por colidir com os princípios identitários do Bloco, mas pelas consequências, se viesse a ser regulamentada por lei, dando ao patronato/ concertação social, a possibilidade de atingir os trabalhadores, no que se refere aos critérios da sua aplicação: a assiduidade, os horários dos trabalhadores-estudantes, os créditos de horários concedidos a sindicalistas e membros das comissões de trabalhadores, no exercício das suas funções, entre outros, e que seriam excluídos desses «prémios». Seria uma machadada na luta de classes e a criação de ilusões sobre o capitalismo.
O tempo foi curto, mas aconselho os/as camaradas da MN a darem uma vista de olhos pelo trabalho de Luís Araújo, – «A participação dos Trabalhadores nos Lucros das sociedades Comerciais – Porto – 2011».
