Comunicado
O Governo apresentou a 16 de Dezembro uma proposta de Orçamento de Estado (OE2020) sem qualquer negociação prévia com os partidos da anterior maioria parlamentar.
Em vésperas da votação na generalidade, o Governo dispôs-se a negociar algumas medidas pontuais com a esquerda.
No início de Janeiro, a viabilização do OE2020 na generalidade (com as abstenções do BE, PCP, PAN, PEV e Livre) deu lugar a uma fase de apresentação de propostas na especialidade que não têm obtido por parte do Governo quaisquer sinais de abertura.
Para quem eventualmente pudesse ter dúvidas, o comportamento do PS no processo OE2020 tornou evidente que o ciclo político mudou.
O PS recusou um acordo de legislatura porque não quis o seu programa de governo contagiado pela esquerda. Não quis clareza nem reciprocidade.
A “geringonça” formal já tinha acabado e a informal, com este comportamento do PS, só será viável com a subalternização da esquerda. A capacidade negocial do Bloco passou a depender exclusivamente da sua afirmação como força de oposição influente.
Não há continuidade. O programa de Governo não traça, como em 2015, o objetivo de “virar a página da austeridade e relançar a economia e o emprego, como caminho para superar a crise orçamental”.
Agora, em 2020, o programa do Governo é o do saldo primário acima dos 3% e o do excedente orçamental, é o das “contas certas”, como condição para “uma política orçamental estável e credível”. Em vez de objetivos sociais e económicos de desenvolvimento, são objetivos financeiros que comandam e determinam este Orçamento, encarado por António Costa como um mero “instrumento de aplicação do programa do Governo”.
Esta linha rompe com os acordos da legislatura anterior, retira recursos do investimento público, da recuperação de rendimentos do trabalho, do reforço dos serviços sociais, de medidas claras para a transição energética e para o combate às alterações climáticas e à desertificação.
As prioridades do Bloco decorrem do compromisso programático com que se apresentou às eleições legislativas: recuperação de salários e pensões, fortalecimento dos serviços públicos, investimento público para responder à crise da habitação e à emergência climática.
A proposta de OE2020, ao invés, faz perdurar os baixos salários e pensões, deteriora as condições de acesso às reformas, recusa aumentar a progressividade fiscal, persiste na incapacidade de qualificar os serviços públicos, de enfrentar a crise habitacional, de arrancar para a transição energética e agroecológica.
Produz, no entanto, um excedente orçamental superior a 500 milhões de euros e prepara novo financiamento do Novo Banco através do Fundo de Resolução que poderá chegar a 1400 milhões de euros.
O Bloco de Esquerda viabilizou o OE2020 na generalidade para manter “aberto um processo negocial com o Governo” e para “tornar possível esse debate na especialidade”. Não há qualquer compromisso de viabilização na votação final global. A abstenção na generalidade não implica a abstenção na votação final global.
Sem mudanças que introduzam marcas estruturais de esquerda que condicionem a política do Governo de submissão à ortodoxia neoliberal da UE, a viabilização final global do OE2020 seria gratuita e daria asas a António Costa para governar sem compromissos, mas baseado na falsa ideia da continuidade e de que afinal sempre há uma maioria parlamentar à esquerda de suporte ao Governo. A esquerda sairia diminuída, acrescentaria dificuldades aos movimentos sociais, a direita, o populismo e a extrema direita beneficiariam com a oportunidade.
A possibilidade de viabilização terá de ter como garantia, neste processo de OE2020, a revisão das leis laborais que, pelo desequilíbrio que mantêm na relação entre trabalho e patronato, são decisivas para que os salários se mantenham baixos e a precariedade elevada, apesar da descida da taxa de desemprego. Atualização salarial digna para a Função Pública, aumento extraordinário nas pensões e alteração do regime de trabalho por turnos com benefício na contagem do tempo para a reforma. Restabelecimento dos escalões do IRS.
Fortalecer o SNS e concretizar o investimento em novos equipamentos já previstos no anterior OE (como os hospitais da Póvoa de Varzim, Barcelos, Algarve e ampliação do hospital de Beja). Regulamentação do Estatuto e medidas de apoio às pessoas cuidadoras informais, em vez do esvaziamento da Lei. Investimento no crescimento do parque público habitacional e na reabilitação. Reordenamento florestal e apoio efetivo à criação de unidades de gestão florestal associativas ou cooperativas.
Sem garantias claras de avanços sociais, a esquerda não deverá comprometer-se com um OE que na proposta do Governo coloca como prioridade na alocação de recursos as metas do Tratado Orçamental, cada vez mais questionado por toda a UE, em vez da resposta às necessidades de criação de emprego qualificado e com direitos e de desenvolvimento do país, condições necessárias para um equilíbrio orçamental socialmente mais justo.
O PS só não negociará estas medidas com a esquerda se não quiser. O Bloco já demonstrou estar disponível para negociar, mas não poderá aceitar um OE em que algumas migalhas sirvam para justificar um grande recuo. A chantagem de uma crise política, que é a negação do diálogo, só poderá reforçar a determinação da esquerda em não ser capturada. O PR não pode dissolver o Parlamento até 2021, qualquer solução terá de ser encontrada no atual quadro parlamentar.
O PS tem de ser confrontado com a exigência de clareza e de reciprocidade. Com a recusa de substituição da velha austeridade virtuosa por uma espécie de prosperidade virtual. O voto contra o OE2020 marcará essa exigência da esquerda, caso um PS não maioritário insista na arrogância estratégica de querer descartar, de facto, as opções programáticas dos seus anteriores parceiros em defesa do trabalho e de direitos sociais.
CONVERGÊNCIA
Articulação Nacional
22 de Janeiro de 2020