por Sílvia Carreira
Neste momento as esquerdas deparam-se com questões processuais e de linha politica que devem ser reavaliadas. Este exercido de reflexão e debate torna-se fundamental para uma resposta ao crescimento da extrema-direita em Portugal, mas parece estar a ter alguma resistência dentro das organizações partidárias.
Os grupos de pessoas organizados ou informais tendem a ter focos de ação difusos. Não são raros os casos em que os envolvidos se sentem esgotados de atirar em todas as direções sem avanços na luta e ficarem sem perspetivas.
A falta de resposta clara à questão de como vamos fazer para atingir o objetivo a que nos propomos, ou seja, o “como?”, termina muitas vezes na inoperacionalidade ou na extinção desses grupos informais ou organizados.
Todos conhecemos ciclos em que o “precisamos de mais gente” ou “temos que saber mais sobre o assunto” levam à desmotivação e ao marasmo. Em vez de se pensar o que podemos fazer de relevante com as pessoas que temos ou de determinar que grau de conhecimento sobre um determinado assunto temos que ter para agir ou, ainda, o que podemos fazer com o conhecimento que temos?
A força anímica do grupo é desperdiçada em reuniões intermináveis com vista a captar gente para uma futura ação que parece nunca acontecer ou em leituras e pesquisas sem fim. Porque gente nova entra com mais reuniões, mas os que estão vão perdendo com o tempo a motivação, ou a informação atualizada sobre o assunto está sempre a sair, o que faz do trabalho de pesquisa um trabalho interminável.
Mas há um outro ciclo cada vez mais recorrente que é o “não conseguimos chegar às pessoas”. Em vez do grupo fazer um esforço na busca de formas de envolver as pessoas, que passa pelo entendimento das dinâmicas dos grupos e por saber quais os seus interesses, opta pela repetição de fórmulas, adquiridas por conhecimento teórico em muitos casos, que falham sistematicamente resultando na desmotivação e desmobilização dos grupos.
“As pessoas não nos entendem”, ou seja, as pessoas não conseguem atingir o nosso nível de raciocínio. Este parece ser um problema recorrente nas esquerdas, patente nos últimos resultados eleitorais, que contrasta com o crescimento da extrema-direita.
O que é que está a falhar?
Num artigo de 16 de fevereiro do jornal “Público” intitulado “As Esquerdas Radicais”, da articulista Carmo Afonso, são levantadas questões pertinentes que estão próximas do ciclo “não conseguimos chegar às pessoas”. Neste momento existem em Portugal aproximadamente novecentas mil pessoas que sobrevivem com o SMN. Então porque é que a esquerda que se bate pelos direitos dos mais frágeis da sociedade não tem uma votação mais expressiva?
Quando vamos a um encontro que se propõe fazer a reflexão sobre a derrota da esquerda, somos colocadas/os perante o ciclo “não conseguimos que as pessoas entendam os nossos motivos”, será que as pessoas não são capazes? Ou o que estamos a dizer não está a ser comunicado de forma correta? Estamos aqui por causa das pessoas, então o que é que se passa?
Há quem diga que é uma questão de voto útil. Sim, pode ser, mas não desta forma, porque se assim fosse à direita teria acontecido um fenómeno semelhante o que não se verificou. Então vamos, de forma clara, tentar encontrar soluções para envolver as pessoas?
Como diz o artigo de Carmo Afonso no “Público”, uma lição que a esquerda poderá tirar da análise da resposta eleitoral aos estímulos enviados pelas comunicações de campanha é que as pessoas insatisfeitas “tendem a simpatizar com quem assume o discurso destemido”, por vezes até desvalorizando o conteúdo do mesmo. Então o que se passa? Segundo ainda o mesmo artigo, as esquerdas ou a esquerda “está á defesa “porque não quer ser classificada como radical, o que está a condicionar a sua ação.”
Mas será só isso?
Quando pegamos nas teorias de mudança verificamos que na esquerda também é frequente um fenómeno, vulgarmente designado por “patinagem”, ou seja esquemas vulgarmente designados pelo “rame, rame”, desmotivador. Os exemplos mais comuns de “patinagem“ são os periódicos relatórios sobre vários problemas e as cimeiras do clima. Os primeiros informam e voltam a informar, os segundos emitem relatórios semelhantes todos os anos, em ambos os casos nada disto leva a uma ação concreta. O terceiro exemplo de “patinagem“ é a repetição até á exaustão de frases vulgarmente conhecido com “cassete”, alguns de nós ainda se lembram do boneco chamado “Cassete Cunhal”, seria uma brincadeira pura ou uma mensagem implícita?
Frequentemente nas esquerdas se recorre à repetição de mensagens, mas esta opção pode-se tornar fator desmobilizante, sobretudo se se tratar de frases pouco acessíveis as pessoas comuns.
Até agora falamos de questões processuais, mas serão só questões destas que estão na origem dos resultados eleitorais das esquerdas?
A prolongada estratégia de manter um relacionamento de proximidade com o PS, mesmo depois deste último ter declarado o fim da “Geringonça”, pode ter contribuído para o resultado eleitoral do Bloco de Esquerda. Como justificar a relação de proximidade entre um partido que se diz de esquerda e Ecossocialista e um partido que que favorece claramente políticas capitalistas? Como explicar que digamos “Muda o sistema e não o clima “ e, ao mesmo tempo, sermos brandos com um partido que coloca os interesses do capital acima das questões ambientais e colabora com quem o degrada?
Se para as primeiras questões (questões processuais) a ideia lançada pela direção do Bloco de Esquerda de fazer um encontro nacional pode ajudar a encontrar uma solução, quando falamos da linha política do partido isso não se aplica. A vinculação a uma linha política só pode ser determinada pela participação e vontade das/os militantes num debate organizado e com consequências de uma Convenção Nacional.
O Bloco de Esquerda afirma querer ser resposta ao avanço da extrema-direita, mas evita fazer uma reflecção honesta, livre de ideias pré-concebidas e aberta para dar resposta ao desafio Ecossocialista.
Sílvia Carreira

O excelente texto da Sílvia, prima pela objectividade e acertividade, assumindo uma posição muito construtiva e autêntica, mas a meu ver deixa de fora alguns pontos cruciais que fazem toda a diferença. Quero com isto dizer que é necessário ir mais longe e mais fundo, já que o problema do descalabro das esquerdas é complexo e vem de longe.
Naturalmente que a Sílvia tem inteira razão ao constatar o alheamento de grande parte dos cidadãos. Uma das razões tem a ver com a arrogância intelectual que leva as pessoas à repetição salientada pela Sílvia. Essas pessoas estão convencidas da sua superioridade por deterem as certezas absolutas. Essa mesma arrogância fá-las desprezar a realidade dos factos, a evolução á sua volta. É assim que se refugiam em esquemas de pensamento transformados em chavões, porque são as suas zonas de conforto. Recusam perceber que as suas trincheiras teóricas deixaram de ter relação com a realidade e, quando as suas teorias conflituam com os factos, consideram sempre que os factos estão errados e a sua teoria é que está para sempre certa. São posicionamentos como estes, entre outros, que descredibilizam essas pessoas e os grupos a que pertencem. Um dos exemplos mais flagrantes é a recusa do BE em ver como o chumbo do OE precipitou a tragédia. A entrega do ouro ao bandido só poderia ter as piores consequências. Se tal não tivesse sido feito, as esquerdas continuariam a ter influência decisiva, as direitas continuariam residuais na AR e os movimentos de base e sindicais continuariam a poder contar com a arma dos deputados. O facto de tudo isso ter acabado e de o grosso do BE se recusar a encarar o problema de frente, significa que nada de essencial vai mudar e que vai continuar a descer o plano inclinado .
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