O QUE FICA QUANDO AS BOMBAS SE CALAREM…

por Rui Cortes

Os noticiários televisivos carregam no terrível cortejo de misérias que assola a Ucrânia, com os milhões de refugiados e deslocados, possivelmente já a atingir um quarto da população de 44 milhões daquele país. Não é possível ainda pensar na reconstrução enquanto a guerra continua.  Mas as consequências ambientais da guerra perdurarão muito para além deste conflito e dos sempre esperados acordos de paz e raramente merecem sequer escassas linhas nos órgãos noticiosos. 

A região do Donbass, no leste da Ucrânia, é uma das regiões mais industrializadas do globo devido à mineração de carvão e indústrias pesadas, tendo herdado enormes passivos ambientais deixados pela política extractivista da ex-URSS. Repare-se que a Ucrânia era responsável por cerca de 25% da produção industrial soviética e a contaminação atmosférica já representava cerca de 30% do total daquele imenso país. Por outro lado, o conflito nesta região do Donbass, que ao longo de 7 anos foi protagonizado pela Ucrânia e pelas repúblicas independentistas, portanto, antes mesmo da atual invasão russa, já havia gerado uma pesada contaminação de águas subterrâneas em razão da inundação das minas de carvão. Mas a dimensão é agora outra: só na semana passada a imensa siderurgia de Azovstal, na cidade portuária de Mariupol, foi completamente arrasada.

Aliás, a destruição de toda a base industrial ucraniana faz provavelmente parte da estratégia do Kremlin, independentemente de qualquer noção das consequências ambientais. Na verdade, na atualidade os alvos privilegiados nesta guerra são as unidades industriais, como refinarias e siderurgias, com tremendos impactos na poluição das águas superficiais e subterrâneas pelos hidrocarbonetos e metais pesados. Os próprios incêndios provocados pelos mísseis levam à emissão de substâncias tóxicas para a atmosfera de grande perigosidade como hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e dioxinas, altamente cancerígenos e que se acumulam na cadeia alimentar.  A isto acresce a destruição em curso de zonas protegidas, como vários parques naturais, e o arrasar de grandes áreas florestadas e zonas húmidas de elevada biodiversidade.

O passivo ambiental das guerras não é de agora e sempre foi tremendo.  Dou apenas alguns exemplos: relembro o temível agente laranja, um potente herbicida utilizado durante a Guerra do Vietnam por militares norte-americanos e que foi parte de uma destruição deliberada das florestas, as quais foram afetadas ainda por milhões de litros de desfolhantes, de modo a privar as guerrilhas vietnamitas da sua proteção e camuflagem. Outro exemplo foi no Iraque, quando Saddam Hussein mandou drenar  os pântanos da Mesopotâmia, o maior ecossistema de terras húmidas do Médio Oriente, o que reduziu os pântanos a menos de 10% de sua extensão original e transformou a paisagem num extenso deserto de crostas de sal.

Salientemos ainda, mais recentemente, o Afeganistão que foi desflorestado em 95% em algumas áreas, devido às estratégias de sobrevivência das pessoas e ao colapso da governança ambiental durante décadas de guerra, onde o extenso desmatamento, promovido em fases distintas quer por russos, quer por americanos, teve múltiplas implicações sociais, ambientais e económicas para milhões de afegãos, incluindo o aumento da vulnerabilidade a vários desastres naturais, como enchentes, avalanches e deslizamentos de terra.

Na Colômbia, décadas de mineração selvagem para extração de ouro, causaram danos ambientais imensos com mercúrio, a que se juntou ainda a extração madeireira, o que aconteceu quer em áreas controladas pelo Governo como pelas FARC. Curiosamente, agora em tempos de paz investigadores chamam a atenção para os riscos para a biodiversidade e mudanças climáticas, representados pela retomada de regiões, antes desabitadas devido a presença das guerrilhas, por parte de empresas multinacionais interessadas na exploração desenfreada dos recursos naturais, com a complacência governamental. São vastas regiões rurais e de florestas que permaneceram praticamente intocadas durante décadas e que, com a entrega das armas por parte da guerrilha, estão acessíveis para o capitalismo desenfreado. Mas, a terminar, queria ainda relembrar que o conflito anterior protagonizado pelo Kremlin na Tchetchénia deixou 30% do território contaminado e com uma perda para metade da terra arável, devido a 20.000 toneladas de derramamento de combustíveis fósseis para o solo.

Na Ucrânia o ambiente é realmente a face menos visível no conflito, mas a sua degradação também irá contribuir para terríveis problemas de saúde e sobrevivência das populações ao longo de muitas décadas. Em 2001, já a Assembleia Geral da ONU declarara o 6 de novembro como o Dia Internacional para a Prevenção da Exploração do Meio Ambiente na Guerra e no Conflito Armado. Mas este é um assunto que não parece preocupar a Rússia, a NATO, os governos ocidentais e, aparentemente, os órgãos de comunicação. E se juntarmos as centrais nucleares vimos que aquele país está sobre um verdadeiro barril de pólvora. Termino apenas com as declarações da responsável da delegação ucraniana, Svetlana Krakovska, no Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC): “A crise climática induzida e a guerra na Ucrânia têm ligações diretas e exatamente as mesmas raízes”.

Rui Cortes

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