O confinamento e o breve enlace dos deficientes com a inclusão social

por Nuno Nebeker

A pandemia de COVID-19 colocou a maioria dos portugueses e do “mundo desenvolvido” numa situação nova: fechados em casa, isolados, afastados da família e dos amigos, desafiados e limitados no trabalho e assustados. Como deficiente, pessoa partida e experiente nestas áreas, dou-te, caro leitor, as boas-vindas. Conta comigo, para toda a ajuda e orientação que precisares para viveres no meu mundo. Se, por outro lado, já estavas ao meu lado, ajuda-me a ajudá-los a conhecer-nos e a viver em conjunto.

Neste contexto, vendo os eventos sociais e políticos, as interações de família, e até os passatempos a passar à esfera virtual, muitos deficientes depararam-se com portas abertas ao resto do mundo como nunca antes. Eu próprio tive a oportunidade de elogiar a CCC do Porto do BE por me acolher nas suas reuniões, a mim e a quem mais tinha, até ao momento, sentido a sua intervenção política limitada por desafios tão fáceis de ultrapassar como a deslocação e presença num mesmo espaço físico. Afinal, o telefone foi inventado em 1876, falou-se de “Portugal na Internet” no LNEC em 1994 e, mesmo ignorando o Skype, a Zoom Video Communications foi fundada em 2011.

Neste contexto, descrevo, por exemplo, a campanha para a candidatura a Presidente da República da Marisa Matias, em 2020-21, como nada menos que memorável e histórica. Estive lá contigo, caro leitor. Segurei e agitei o meu cravo em papel ao teu lado. Senti a tua força e tu sentiste a minha. Fomos iguais, como sabemos que somos e como fazemos por provar, todos os dias, na mesma luta.

Afinal, os eventos online e híbridos não precisam de rampa para cadeira de rodas. Não precisam de máscara N95 para os imunodeprimidos. Não precisam de números de sala em Braille. Não precisam de intérprete de língua gestual ou de língua estrangeira no local (tendo organizado estes serviços para eventos, estou disponível para explicar, noutro contexto).

Mas o caro leitor diz-me “eu não preciso de nada disso!” Antes de apontar a falta de empatia que é tão comum e a ignorância que vem de nada mais do que do desconhecimento, apresento um contraponto: os eventos online e híbridos não precisam de combustível para lá chegar. Não precisam de ama para cuidar dos filhos. Não precisam de uma hora de viagem em vez de sono merecido, quando se trabalha na manhã seguinte. Não precisam de forçar a vista cansada da idade para ver o orador.

Os eventos online e híbridos têm outras exigências, é claro. Para começar, o acesso à internet. Em 2010 tive a oportunidade de fazer uma das minhas primeiras intervenções políticas, ao defender, no Parlamento Europeu de Jovens, na minha Escola Secundária, o acesso à internet de alta velocidade como essencial e equiparável à água ou electricidade. Afinal no meio do Simplex e da transição digital, quando o Estado se pretende relacionar com o Cidadão por este meio, os argumentos escrevem-se a si próprios.

Diz-me, caro leitor, eu tinha razão, não tinha? Vimos as notícias dos professores a sair de casa para apanhar rede para dar aulas, certo? 12 anos depois, temos a tarifa social de internet. Pois nem tudo é um mar de rosas. Na corrida para o desconfinamento e para o “novo normal”, deparei-me com uma complicação. Acontece que o “novo normal” é muito parecido com o “antigo normal”. Fundamentalmente, não é para mim: é só para a gente
normal.

Ao te fechares nas salas do costume, com as suas barreiras arquitectónicas, organizacionais e sociais, caro leitor, deixaste-me outra vez à porta. Ouviste e leste o meu pedido de que o novo normal fosse verdadeiramente novo e não me respondeste. Ora o maior problema até pode não estar comigo e com as outras pessoas partidas. Os
trabalhadores por quem dizes lutar ficam limitados na sua actividade por não poderem tirar o tempo necessário ou suportar os custos das deslocações. Os pais e as mães solteiros têm de escolher entre usar a sua voz e passar mais tempo com os filhos. E sabes qual é o maior problema? É que, um dia, tu vais ser como eu: o teu corpo ou a tua mente vão-se partir com o peso dos anos. Nesse dia, eu vou estar aqui para te ouvir e para te ajudar. Hoje, vais estar comigo?

Nuno Nebeker

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