O caso do encerramento da refinaria de Leça da Palmeira é o exemplo do que é errado e do que não se deve fazer no processo de transição energética para a descarbonização da economia e da sociedade.
Primeiro, porque a Galp anuncia quebra na produção de combustível, mas apenas provisoriamente devido à pandemia e à queda nos preços dos produtos petrolíferos, porque o objetivo é concentrar a refinação em Sines, tendo subjacente a ideia de que vai ser preciso a mesma quantidade de combustível fóssil no futuro, o mesmo que dizer que a transição energética não é possível nos próximos tempos.
Segundo, porque todos os indícios apontam para mais uma manobra da Galp, pois os lucros baixaram e é preciso despedir trabalhadores com apoios do Governo utilizando o falacioso argumento ambiental, para além de que agora há que aproveitar a nova onda do Lítio. Com esse objetivo temos a notícia da participação da Galp na mina do Barroso[1].
Terceiro, porque os trabalhadores foram abandonados à sua sorte apesar de na comunicação da Comissão sobre o Pacto Ecológico Europeu “GreenDeal” estar escrito[2]: “Ao mesmo tempo, esta transição deve ser equitativa e inclusiva. Deve dar prioridade às pessoas e prestar atenção às regiões, às indústrias e aos trabalhadores que enfrentarão os maiores desafios.” Este discurso floreado da UE não passa de retórica pura.
A lei Europeia do Clima para a neutralidade carbónica em 2050 tem como principal pilar o Pacto Ecológico “GreenDeal” que integra a estratégia de execução da Agenda 2030 e visa concretizar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas[3]. Trata-se de um processo que envolve mais do que fechar equipamentos como a refinaria em Leça da Palmeira e que não está focado apenas nas energias renováveis, mas também na eficiência energética, nos edifícios e na indústria, no armazenamento de energia, no hidrogénio verde e na melhor gestão dos resíduos florestais. Mas que, acima de tudo, não pode deixar as pessoas para trás.
O “GreenDeal”, que se propõe acelerar e apoiar a transição necessária em todos os setores, inclui um pacote de medidas que visam permitir que cidadãos e empresas europeias beneficiem de uma transição ecológica sustentável e pretende que ninguém nem nenhuma região sejam deixados para trás. É precisamente o que não está a acontecer em Leça da Palmeira.
Que a transição energética não vai ser justa, isso já está a ficar claro, mas pode ser que nem seja uma transição. Poderá ser apenas uma deslocação do fornecedor, porque haverá noutro ponto quem possa fazer o mesmo produto por um preço mais baixo, ou apenas a troca de uma fonte energética poluidora por outra que ainda não sabemos se o será ou não.
Neste momento, estamos a entrar num caminho de troca do petróleo por baterias feitas de metais raros e outros, fazendo com que a exploração mineira sangre a terra em busca de recursos, da mesma forma que noutros tempos se sugou e continua a sugar o petróleo.
Fala-se em energia verde, em transição energética, continuamos a embarcar na falácia do “desenvolvimento sustentável” que tem vindo a ser utilizada recorrentemente como se fosse possível conjugar dentro da mesma equação os imperativos opostos de crescimento e desenvolvimento e o interesse ambiental. Desta vez é-nos proposto o objetivo de que o crescimento económico seja dissociado da exploração dos recursos[4], como se para fazer baterias, equipamentos e outros não seja necessário explorar recursos.
Enquanto o sistema for capitalista nada será justo e muito menos a transição energética.
* Sílvia Carreira

[1] https://eco.sapo.pt/2021/01/12/galp-chega-a-acordo-com-savannah-para-comprar-metade-do-litio-da-mina-do-barroso/
[2] https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?qid=1588580774040&uri=CELEX%3A52019DC0640
[3] https://sustainabledevelopment.un.org/post2015/transformingourworld .
[4] https://ec.europa.eu/info/strategy/priorities-2019-2024/european-green-deal_pt
[Foto Lusa – Trabalhadores da Galp Matosinhos manifestam-se em Lisboa]