Historicamente, o fascismo foi entrando como ideologia de massas, usando retórica contraditória e pezinhos de lã para seduzir as camadas mais desfavorecidas das sociedades onde se implantou e poder prosseguir o avanço do seu poder cada vez mais discricionário, autoritário e abominável.
As mulheres não são exceção enquanto público-alvo dos discursos fascistas para seduzir a população. Também em relação a nós, mulheres, o fascismo surge com um discurso de aparente valorização das mulheres, digo aparente, pois é absolutamente falso. Parecem valorizar as características femininas, mas apenas valorizam uma feminilidade subalterna e submissa à dominação patriarcal, pelos homens brancos, classe média e dominante, assim como religião dominante.
Parecem valorizar a maternidade, mas se analisarmos diferentes excertos dos seus discursos, essa valorização é apenas da função biológica de dar à luz, e nem a função social da maternidade valorizam. Veja-se, historicamente, que todos os regimes fascistas retiram direitos às mulheres na maternidade e às crianças.
Parecem valorizar a feminilidade, mas o que de facto valorizam e pretendem é a domesticização das mulheres, uma feminilidade submissa e assexuada. A sexualidade livre e prazerosa é algo que os fascistas apenas valorizam para o grupo dominante dos homens. Aliás, o policiamento autoritário dos costumes é algo comum a todos os regimes fascistas e Nazis, e fica evidente nos discursos da atual extrema-direita, a misoginia e o preconceito contra mulheres e homens que saiam das normas da ‘mulher bibeblot’ ou ‘fada do lar’ e do homem ‘machão’.
Curiosamente, um dos traços comuns é a raiva contra o “vermelho”. O fascismo português tinha uma polícia política muito opressiva, autoritária, torturadora, assentando na perseguição de todas as pessoas que não fossem submissas, passivas e cumpridoras das ordens do regime. Na pesquisa historiográfica da Fina D’Armada, ela encontrou registos na Pide do facto de Maria Lamas ter ido a um cinema ou teatro, no Porto, com um vestido vermelho.
Vejam-se as críticas feitas pela extrema-direita em Portugal, nesta campanha, ao baton vermelho de Marisa Matias, que desencadeou uma enorme onda de protestos. Também devemos prestar atenção aos preconceitos evidentes quando a extrema direita afirma gostar das mulheres “com sensibilidade” e, sobretudo, “calmas”, isto é, passivas e submissas. Ficam claros os gostos desta gente: como se os homens não fossem sensíveis, pois querem-nos violentes e agressivos, como se as mulheres não tivessem direito a expressar a sua opinião e a ser assertivas.
O discurso enganador mas encantatório — muitas vezes “desbocado”, para ser mais sedutor — pode ser desmontado, buscando partes do discurso ou da ação da pessoa fascista, que mostram claras contradições e evidenciam como algumas frases são meras construções falsas para agradar à maioria da população. Sabemos que as mulheres das classes sociais desprivilegiadas e subalternas, até pela dupla ou tripla jornada de trabalho, têm pouco tempo para prestar atenção e anotar as diversas partes dos discursos e procurar essas contradições. Mas temos e o fazer e lutar para afastar pessoas anti-democráticas que, desde logo, não deviam ter sido autorizadas a formar partido.
Também é preciso denunciar como as mulheres são, enquanto pessoas do sexo feminino, um dos principais alvos dos fascistas / Nazis. Não foi por acaso que, segundo a investigadora Sara Helm[1], que os Nazis construíram um campo de concentração especificamente para prender, torturar e assassinar mulheres. Concebido por Himmler, foi usado como ensaio do genocídio – como primeiro campo de extermínio de seres humanos do sexo feminino: mulheres comunistas, ciganas, prostitutas, de religiões subalternas, da oposição ao nazismo na Alemanha, da resistência dos países vencidos e colonizados pelo imperialismo nazi. Foi usado também para outras abomináveis atrocidades contra as mulheres: experiências com grávidas, entre outras.
O mesmo discurso enganador e retoricamente sedutor inclui, também, o “falar ao coração” das camadas mais pobres da população. Apresentam falsas declarações de que pretendem acabar com a pobreza, mostrando-se como “salvadores” e heróis contra todos e, sobretudo, contra todas. O falso radicalismo permeado de humor costuma ser muito sedutor até porque, por vezes, vai ao encontro de alguns sentimentos, que todas e todos vamos sentindo no regime de democracia liberal.
Portugal esteve mergulhado 48 anos em obscurantismo, miséria e falta de liberdades numa ditadura salazarenta, apresentada como salvadora da Pátria. As mulheres foram submetidas a uma ideologia que lhes retirou direitos e as subjugou à esfera da domesticidade.
Embora o discurso atual do neofacismo seja diferente desses tempos, existem mensagens comuns: o nacionalismo mesclado de salvador, a autoridade, a defesa das penas de prisão perpétua e, consequentemente, da pena da morte, o propagandear a valorização das mulheres respeitadoras e seduzidas pelo “chefe” que comanda os destinos da Nação.
As mulheres imigrantes, refugiadas, de diferentes raças e etnias, as mulheres trans e lésbicas são o alvo, de uma forma direta ou indireta do pensamento neofascista.
Como revolucionários/as, como esquerda consciente destes perigos, cabe-nos denunciar e desconstruir os discursos fascistas atuais que grassam por toda a Europa, pelo mundo e também por Portugal.
* Maria José Magalhães

[1] Helm, Sara (2015) Ravensbruck, História do Campo de Concentração Nazista para Mulheres, tradução, em 2017, para português pela Editora Record, do Rio de Janeiro.