«OH pá! Outra vez? Vocês não têm mão nesses gajos?» [por Mário Tomé]

Na celeuma que tem envolvido o brutal assassinato do cidadão ucraniano “à guarda” do Estado português e a responsabilidade do Ministro da Administração Interna e da Chefe do SEF assumida ou não em tempo ou tardiamente, que tem enchido as páginas dos jornais e os écrans da televisão, algo está sendo elidido: o carácter essencialmente repressivo do SEF e de todas as polícias, ao serviço do Estado que não dos cidadãos.

Ainda mais do que qualquer outra polícia a actuação do SEF, pelo seu carácter e pela sua missão específica de vigilância, fiscalização, controlo e repressão dos estrangeiros que não são turistas nem detêm vistos gold, é subliminarmente inspirada na xenofobia e no racismo que persistem como consequência do ainda recente passado colonialista do povo português.

A razão primeira decorre do facto de o PREC, o processo de luta revolucionária do povo português que se seguiu ao 25 de Abril, ter sido liquidado pelo golpe militar da burguesia e da social-democracia, esta última, na altura, já estrebuchando face ao choque brutal do neoliberalismo.

No desenrolar da luta popular ia sendo demolido todo o edifício ideológico construído durante o colonial-fascismo, libertando as pessoas para uma visão humanista e universalista, de liberdade e de igualdade, abraçando uma visão radical da classe proletária, então espontânea e objectivamente no comando do movimento radical e revolucionário.

O 25 de Novembro de há 45 anos impôs a política democrática subordinada ao poder do capital e do imperialismo. O mercado comanda a democracia.

Direitos humanos, liberdade, igualdade, pois sim, na Carta das Nações Unidas, na Constituição, mas a ideologia imperante impediu e impede cada vez mais a sua real concretização.

Isto para voltarmos à vaca fria: as polícias são constituídas sob a égide da eficácia instrumental, ou seja, como instrumento repressivo na sua essência. E a repressão exerce-se com tanto mais eficácia quanto factores ideológicos não assumidos, mas psicologicamente estruturantes, como a xenofobia e o racismo, estão bem presentes e não foram erradicados depois do derrube do colonial-fascismo mantendo-se como segunda natureza fortemente implantada, da democracia de mercado servida pelo estado de direito capitalista.

Àqueles há que acrescentar o carácter de classe – as forças repressivas constituídas na sua esmagadora maioria por elementos populares assimilam o carácter de classe do Estado e, portanto, a sua violência potencial que se revela em toda a sua extensão e brutalidade quando à diferença de cor ou de nacionalidade se acrescenta a de classe discriminada.

Os estrangeiros e os negros ricos podem ser alvo de alarvidade no tratamento por vezes mas raramente de violência. É gente bem comportada dir-se-á. Pois…

A eventual bestialidade individual das polícias é sustentada pela sua própria formação e instrução incapaz ideologicamente de erradicar os factores fundamentais subjacentes à violência inerente à “missão” e depois pela forma como o aparelho não quer pôr em causa o espírito de corpo nem, fundamentalmente, a eficácia da actuação que não se compadece com demasiada temperança nem com essa coisa “muito bonita dos direitos do cidadão e dos direitos humanos”. E mesmo o recurso à tortura condenada à partida nas suas formas mais brutais, vai-se instilando paulatinamente através do bofetão, do pontapé, e por aí adiante até resultar no assassínio puro e simples.

É toda uma ideologia de largo espectro que concentra nas forças repressivas todo o seu carácter explícito de repressão e de dominação de classe, do capital.

Ou seja, o Ministro, o Governo, os Comandos, o próprio Presidente da República não são censuráveis apenas por não terem agido a tempo, condenado, reconhecido, pedido desculpas, garantindo indemnizações, ou por terem contemporizado com a bestialidade e a violência ao que parece estar reduzido o casus beli.

Eles são responsáveis por uma política de segurança estruturada em torno do que designam de eficácia e de violência tolerada e de impunidade corporativa em nome da eficácia.

Acresce que durante 45 anos nada fizeram, enquanto instituição e Estado de Direito Democrático, nos campos social, económico, educativo, para erradicarem da sociedade portuguesa o veneno do racismo e da xenofobia herdado do colonial-fascismo depois de, enquanto classe política e burocrática, terem travado o ímpeto revolucionário do povo português que rompia radicalmente com o passado tenebroso. 

Não mandam, mas é como se mandassem. Indignam-se mas sabem tão bem como nós  que não basta mudar as estruturas, os responsáveis, o nome; que se não houver uma revolução na formação e na estrutura dos corpos policiais tudo continuará como dantes quartel-general em Abrantes: «Oh pá, outra vez? Vocês não têm mão nesses gajos? Desta vez foi mesmo demais. Quem se lixa sou eu!»

Indignam-se mas para além de dizerem que condenam – depois de expostos publicamente, que remédio – não promoveram desde o 25 de Novembro até hoje, no chamado Portugal democrático e amigo dos pretinhos e de todos os estrangeiros que nos “visitam”, uma política de raiz para erradicação da ideologia colonialista em que se sustenta o racismo e a xenofobia que perduram e são o alimento do nacionalismo – “quando somos bons somos os melhores” – e do populismo.

E isso também porque o nacionalismo lhes serve dado que é uma arma de resistência ao internacionalismo dos trabalhadores da mesma forma que é um instrumento moldável e subsumível ao internacionalismo da globalização imperialista.   

Mário Tomé

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