O recurso ao trabalho por turnos tem vindo a ser alargado aos mais variados sectores da sociedade e da economia. Entre 2009 e 2018, estima-se um crescimento de 440 mil para cerca de 800 mil trabalhadores, sendo actualmente uma considerável fatia da população activa.
O capitalismo encontrou na laboração contínua e no recurso ao trabalho por turnos um meio de rentabilização máxima, estilo produtivo eficaz para a obtenção de mais-valias com menos perdas, com maior obtenção de lucro, portanto. Como diria Karl Marx, os obstáculos ao capitalismo seriam apenas barreiras naturais e neste caso o “sono” que não se elimina é ainda uma barreira natural e fundamental para a sua proteção.
São conhecidas as consequências deste regime para quem o exerce, das perturbações no sono, fadiga, depressão, limitações na vida pessoal e social, riscos cardiovasculares ou maior probabilidade de contrair cancro. Por isso, tem vindo a ser cada vez mais premente a necessidade de justiça para estes trabalhadores.
Se, por um lado, se apresentaram propostas concretas na Assembleia da República, que previam essa justiça por via do direito ao descanso, maior regularidade no acompanhamento médico ou na tão reivindicada antecipação da reforma, por outro, falhámos quando não exigimos que a regulamentação do trabalho por turnos fosse condição para a viabilização do Orçamento de Estado 2020.
Neste momento complexo de plena crise epidémica e social, se o “Estado de Emergência” coloca ainda mais estes trabalhadores expostos ao abuso e limitados nos seus direitos, também a enorme e natural probabilidade de fragilidade imunológica acentuada pelo momento que se vive, constitui um risco acrescido para estas e este trabalhadores constituindo um grupo de risco, de extrema importância na organização da sociedade.
Sabemos que o sector económico e rentista não irá desistir um segundo que seja da obtenção de lucro, e que os sectores vitais para o país, da alimentação à saúde, ou da energia aos transportes, caso parassem, colocariam em risco milhares de vidas. É nessa base que devemos pensar neste momento. O que não devemos é tornar quem trabalha por turnos num grupo de risco invisível, permitindo que não se criem mecanismos de mitigação específicos e a necessária justiça que se impõe, questões indissociáveis das lutas de uma esquerda anticapitalista.