O crescimento da extrema direita no mundo apresenta traços comuns na agenda e na metodologia. Após alguns anos do fenómeno, também a esquerda apresenta padronização na sua reação que normalmente conduz a um cenário que a exclui da luta política. Podemos sumarizar este trajeto em três fases:
A negação
A derrota dos fascismos na primeira metade do Séc. XX e das ditaduras militares de cariz neoliberal fascista da segunda metade do mesmo século, trouxeram à sociedade uma segurança de que esses horrores estariam ultrapassados. Também as esquerdas embalaram nos acordos constitucionais que purgavam a extrema direita, institucionalizaram-se e parecem, numa fase inicial, não acreditar no surgimento nem entender o fenómeno de crescimento de partidos neofascistas.
A esquerda começa por negar a existência do perigo, recorrendo a um princípio correto da comunicação política: não se deve dar palco ao inimigo, mas que só é verdadeiro até ao momento que o inimigo ocupa o palco. Este momento não tem sido reconhecido atempadamente pela esquerda por não identificar a razão principal do crescimento do neofascismo.
A exclusão de uma massa significativa da população da abundância da riqueza produzida e do sistema político só pode ser percebida por organizações que caminhem além das instituições. Só essa presença na base sente em tempo útil a insatisfação social e a permeabilidade da população a estes discursos aparentemente alter sistema. Também a lenta reação nos novos canais de comunicação leva à ausência da esquerda no novo palco de disputa política: as redes sociais e plataformas digitais. Erro crasso que atrasa a resposta e que mais tarde trará sérias desvantagens no confronto.
O confronto
Embora os números na internet sejam avassaladores, com os neofascistas a predominarem nas redes, só quando os média corporativos normalizam os movimentos ou partidos da extrema direita é que a esquerda decide partir para o confronto. Com distância dos problemas da base e com o atraso de milhares de seguidores, no caso brasileiro de milhões; a esquerda parte diminuída para o embate.
O confronto entra na sua fase aberta, passando essencialmente pelo insulto político e denúncia institucional.
É necessário fazer frente ao monstro e palavras duras espelhadas no discurso direto do inimigo parecem ser as que melhor afirmam a esquerda após longo período de negação. Trata-se de um equívoco. No insulto, no discurso simplista, na acusação desmesurada, na potenciação do medo é que cresce a extrema direita. Jamais a esquerda vencerá nessa forma de argumentação.
A denúncia institucional acaba por ficar a reação mais visível. O chamado constante ao ministério público, o apelo à intervenção dos poderes de Estado para conter o neofascismo (em particular o judicial), tem-se revelado insuficiente e até errado em alguns contextos. Retira capacidade de entendimento da base quanto à fascização do sistema, colocando esperanças indevidas em setores da sociedade que fazem parte do problema e não da solução, como o poder judicial (normalmente o primeiro poder a fascizar-se).
O CHEGA só existe porque o Tribunal Constitucional cumplicemente ignorou e ignora irregularidades no seu processo de criação e atuação. O partido impõe-se como parceiro político das forças de segurança do Estado. Este erro de conduta política à esquerda empurra a luta para campos desfavoráveis, comprometendo a acumulação de forças tão necessária na base, caminho único para derrotar a aliança entre a direita tradicional neoliberal e o neofascismo.
O confronto deve ser feito no acompanhamento e participação nas lutas concretas, que levem à construção de propostas que envolvam a população, retirando o espaço de crescimento dos neofascistas. A denúncia, que de forma firme deve ser feita, manifesta-se insuficiente para este combate.
A disputa pela influência digital surge agora como natural à esquerda, mas como em outros períodos da História como no surgimento do nazismo, parte muito atrasada, sendo por agora um embate extremamente desigual.
A desistência
Esta é a última fase de um percurso equivocado. Quando aqui se chega, a relação de forças é muito desequilibrada. Os neofascistas já dominam parte dos poderes: legislativo, executivo e judiciário; estão estabelecidos no quadro partidário normalizado e dominam redes sociais e plataformas. A economia neoliberal avança em altíssima velocidade (agora com apoios mais vastos de congressos e parlamentos) agravando as condições de vida das populações. As derrotas da esquerda sucedem-se e o desespero instala-se, na população e na própria esquerda.
É então que a direita neoliberal tradicional acena com frentes amplas anti neofascismo, colocando ênfase que só candidatos saídos do seu campo político podem derrotar tal ameaça. Esta estratégia tem sido bem sucedida, desviando o centro político cada vez mais para a direita. Nos EUA. colocou a disputa entre Biden e Trump, o candidato neoliberal tradicional e o candidato neofascista. No Brasil veremos em 2022 quais as consequências deste percurso errático, sendo que o resultado das eleições municipais de 2020 já colocaram 85% da população a viver em cidades governadas pela direita ou extrema direita.
Em Portugal já se houve nos comentadores dos média corporativos que Marcelo Rebelo de Sousa é o melhor adversário de André Ventura nos debates das eleições presidenciais ou como foi notável a prestação do candidato da Iniciativa Liberal contra o papão. Cantos de sereia para encantar população e esquerda distraída.
O final deste percurso garante que o pêndulo da política só oscile entre o neoliberalismo tradicional e o neoliberalismo neofascista.
Não há necessidade de se repetir os mesmos erros em Portugal. Ainda há tempo de retomar o trabalho na base apoiando as lutas concretas; de fazer o contraponto à agenda conservadora e neoliberal que varre as redes sociais e plataformas; de apresentar propostas alternativas a esta economia promotora de desigualdade e devastadora do ambiente. Para que quando a direita neoliberal, com os seus média corporativos, acenar com o papão fascista para sustentar uma frente ampla que inclua todas as forças democráticas, a esquerda tenha criado um caminho alternativo que derrote neofascistas e neoliberais de uma só vez.
* Rui Abreu

Embora o texto do Rui seja correcto, ele peca por não ir suficientemente longe e a sua proposta fica muito aquem do necessário. De modo nenhum é suficiente apoiar as lutas. Sabendo que todas propostas de uma nova economia esbarram com os tratados e burocracias europeias, é absolutamente lamentável que a esquerda nunca tenha tido sobre a UE uma posição clara, informada e proactiva em vez de meramente defensiva. Assim sendo, urge lançar um profundo e alargado debate sobre a UE, como funciona, quais os seus objectivos, vulnerabilidades, mitos, interesses, estruturas e possibilidades. Sem isso, a esquerda continuará a descer o plano inclinado da sua decadência e o seu espaço cada vez mais ocupado pela extrema-direita mais ou menos neoliberal.
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