25 de Abril de 1974 e hoje: avanços, impasses e ameaças de retrocesso*

por Manuel Carlos Silva

Ao comemorar os 50 anos do 25 de Abril de 1974 importa sublinhar que o fim do longo pesadelo de 48 anos de fascismo e a conquista da democracia e das liberdades  (individuais, associativas, sindicais e partidárias) deveram-se à conjugação de vários fatores – lutas das classes trabalhadoras e movimentos estudantis no país, combates dos movimentos de libertação em África e Timor contra o colonialismo e a decisiva ação do Movimento das Forças Armadas (MFA).  Não obstante haver classes-apoio do regime ditatorial, este interessava basicamente ao latifúndio, à burguesia colonial e compradore, rentista e financeira, sendo vítimas principais os povos colonizados, trabalhadores/as rurais e urbanos, pequenos camponeses/as, soldados, migrantes e refugiados/as, antifascistas sob prisão, tortura, desterro, bastantes dos quais assassinados/as. 

Em termos de ratio entre capital e trabalho, enquanto em 1970 o ratio era de 58% vs 42%, no pós-25 de Abril-1974 esse ratio inverteu-se, embora desde 1980 voltasse a ser favorável ao capital, cifrando-se hoje em 63% para o capital e 37% para o trabalho. Com o 25 de Abril foram conseguidas, graças aos movimentos sindicais e outros, algumas conquistas sociais – salário mínimo e outras condições de vida. Porém, Portugal, sendo um país com assimetrias regionais e enorme desequilíbrio entre litoral e interior, conhece desemprego e precariedade laboral estrutural, baixos salários (57% da média da UE) com produtividade (80% da média da UE); é um dos países mais desiguais na UE (10% mais ricos detêm 27% do PIB, 50 famílias detêm 16,5% do PIB, ou seja, 40.000 milhões de euros, metade dos quais possuídos por 10 famílias).    

Quanto à segurança social, enquanto antes do 25 de Abril os mais pobres passavam fome e dependiam de esmolas de ‘patronos’/caciques civis ou eclesiásticos, no pós 25 de Abril os sistemas de segurança social (subsídio de desemprego, doença, RSI, pensões) permitiriam um mínimo de segurança, embora com prestações baixas e abaixo da média europeia, havendo ainda cerca de 10.000 pessoas sem abrigo e 300.000 pessoas em habitação precária, 20% de famílias em pobreza relativa e até absoluta, entre os quais muitos imigrantes, ciganos/as, idosos/as abandonados/as e crianças desprotegidas.

Em termos de saúde e bem-estar, os serviços de saúde que, antes do 25 de Abril, além de não universais e deficitários, estavam entregues a misericórdias e instituições eclesiásticas, só com o 25 de Abril se institucionalizou o SNS (Lei 56/79 de 15/9); entre 1970 e 2023 descida de mortalidade infantil de 55%o para 2,6%o e aumento da esperança de vida de 67 para 81 anos. Apesar dos avanços, os serviços de saúde, concentrados em grandes e médias cidades e menos presentes no interior, estão a ser objeto de negócio por privados, mais caucionados ainda pelo atual governo do PSD/CDS.

Relativamente à educação, houve avanços consideráveis entre 1960 e 2023: descida de analfabetismo de 33,1% para 3,7%; aumento substancial de estabelecimentos de rede pre-escolar (159 para 5.774) e escolarização no ensino básico e secundário; diminuição do abandono escolar (50% em 1992 para 8%); acesso mais alargado à formação superior que passou de 0,8% em 1970 para 23,2%. Além de aumento de doutoramentos, constata-se, segundo a CIG, progressiva feminização em cursos superiores (59% vs 41%); mestrados integrados (54,1% vs 45,9%), 2.o ciclo (61% vs 39%), doutoramentos (52,5% vs 47,5%); mas despesa com investigação é apenas de 1,7% do PIB, aquém da média europeia em 2,3%. 

Por último, em relação às mulheres, enquanto antes do 25 de Abril a mulher não tinha os mesmos direitos jurídico-políticos que o homem, era dependente do marido como ‘chefe de família’, não podia exercer certas atividades (vg. magistratura), dispor dos seus bens próprios nem ausentar-se sem autorização do marido, o direito constitucional e o direito de família pós-1974 tratam homem e mulher em paridade. Não obstante os avanços graças aos movimentos feministas, persistem desigualdades salariais no setor privado (-16%) e no trabalho doméstico (2/3 de horas do total), situações de maus tratos e violência contra mulheres, desiguais oportunidades na promoção nas carreiras e sobretudo nas chefias organizacionais.

Com a provável interferência na política (lawfare) por parte do Ministério Público e eventuais mentores – a confirmar – com o parágrafo de suspeição sobre o 1º Ministro, a demissão deste e nova correlação de forças na Assembleia da República decorrente das eleições de 10 de Março, mais favorável à direita e extremadireita, pairam no horizonte ameaças de retrocesso, pelo que, comemorando o “25 de Abril sempre”, importa reinventar, a médio-longo prazo, um novo 25 de Abril, mas esse ecossocialista!

*dados obtidos do INE, Pordata e CIG=Comissão para Cidadania e Igualdade de Género.

Manuel Carlos Silva

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