O equívoco na aula de Marcelo

por Ricardo Salabert

No passado dia 8 de abril, Marcelo Rebelo de Sousa deu a primeira de três aulas sobre o 25 de abril a alunos do 3° ciclo e secundário, a propósito do 50° aniversário da Revolução dos Cravos. Fê-lo a norte, por considerar ser um gesto de reflexão para a excessiva centralização das iniciativas de caráter político em Lisboa, deixando indícios daquilo a que vinha.

Marcelo focou-se sobretudo no período da Constituinte, não descurando a contextualização do atraso na descolonização e no fim da ditadura, contrariando a tendência de outras potencias coloniais no pos-guerra e fazendo algumas referências à sua experiência pessoal, nomeadamente sobre a realidade jornalística dos últimos anos da ditadura.

Marcelo destacou o papel do PCP na luta antifascista e do contributo da Esquerda na construção da Constituição de 76, referindo as complexidades da construção, artigo a artigo, do texto, e de como o PS trabalhou com a Direita as questões económicas, enquanto trabalhava com a Esquerda as Liberdades e Garantias, enfatizando o papel da UDP no processo e do voto do CDS contra o texto final.

Como o diabo está, geralmente, nos detalhes, a aula foi marcada por “ligeiras” falhas, nomeadamente na referência à Geringonça, que considerou ter sido o primeiro momento em que um presidente de direita tinha de conviver com um Governo da esquerda unida e que isso durou 6 anos (4 de acordo escrito entre a esquerda e 2 sem acordo escrito), bem como a referência a que a Esquerda governou Portugal desde o 25 de abril, com breves intervalos de governos de direita.

Sabendo que Marcelo não é ingénuo, inexperiente ou sequer tem problemas de memória de longo prazo, percebe-se a sua incapacidade em pôr de parte o rancor que sente à esquerda, mesmo quando se propõe dar uma aula.

Na realidade, Marcelo preferiu culpar a esquerda pelo status quo e pelo crescimento da extrema-direita populista, mióogenia, racista e, cada vez mais assumidamente, fascista, ignorando que o seu antecessor, Cavaco Silva, com quem partilha a família política, governou o país durante mais de 2 décadas, como ministro, primeiro-ministro e presidente da República. Preferiu também ignorar que o governo do bloco central de Mário Soares não foi propriamente um governo de esquerda, tal como não tinham sido os governos de iniciativa presidencial de Ramalho Eanes.

Em boa verdade, os “breves intervalos” de governação da direita que Marcelo referiu somaram ”apenas” 23 dos 50 da nossa Democracia.

Não é com surpresa que ouvimos Marcelo Rebelo de Sousa condicionar a sua audiência à agenda da Direita, contudo esperava-se mais de Sua Excelência o Presidente da República, sobretudo no que toca à formação das/os nossas/os jovens.

Ricardo Salabert

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