Um ótimo lugar para trabalhar

Por Ricardo Salabert

Em Julho deste ano, a Foundever, empresa especializada em suporte a clientes multilingue, recebeu a certificação Great Place To Work (Ótimo Lugar Para Trabalhar, em português). No mês seguinte, quando muitas/os de nós estávamos ainda de férias, a Foundever Portugal, seguindo uma tradição de longa data no nosso país, avançou com o despedimento de mais de duas centenas de  trabalhadoras/es.

Fruto dos tempos, poder-se-ia dizer, com a inflação em níveis insuportáveis e o aumento das taxas de juros, pese embora, a 1 de Março deste ano, a empresa desse conta do enorme sucesso da aquisição da Sykes Enterprises (em 2021), que solidificou o suporte prestado em 60 idiomas, a presença em 45 países e uma receita de 4000 milhões de dólares. Na mesma nota em que dava conta da mudança de nome de Sitel para Foundever, a empresa contabiliza 170 mil trabalhadores que suportam 750 marcas em todo o mundo, assegurando mais de 9 milhões de comunicações diárias.

O mais impressionante, contudo, nem é a dimensão da empresa e a incapacidade em gerir eficazmente a sua força de trabalho, que nem durante a pandemia do Covid-19 recorreu a um número tão elevado de despedimentos, mas o facto de estas duas centenas de trabalhadoras/es serem despedidas/os por videochamada, com justificações mal amanhadas de que “os piores já foram”, portanto o restante seria o que calhasse, como se vivêssemos uma qualquer realidade distópica de atribuição de empregos, ou de despedimentos por sorteio.

Uma empresa sem rei nem roque, em que o amadorismo da sua gestão de recursos humanos só passa despercebido pelo facto de a empresa em Portugal ser gerida, segundo a Forbes, pela 38ª mulher mais influente nos negócios e acumular prémios de excelência do setor, e branquear as suas práticas com sessões de Wellness e meditação e Yoga.


Enquanto isso, a Câmara do Porto, que em 2015 anunciava o apoio à implementação da empresa no Porto e cujas instalações foram, então, inauguradas pelo presidente da autarquia, e elogiava o investimento na cidade e a importância de criação dos anunciados 500 postos de trabalho qualificados, parece ser indiferente ao desinvestimento e à destruição de postos de trabalho.

Outro dado curioso é que estas/es trabalhadoras/es estavam a prestar serviço de suporte a clientes de outro líder do seu setor – o alojamento local – e vão agora perder grande parte dos seus rendimentos, por decisão de uma empresa que não quer saber delas/es, numa altura em que os preços da Habitação estão hiper inflacionados, num fenómeno parcialmente provocado pela pressão da ganância do lucro rápido de muitos proprietários que nos últimos anos têm desviado recursos do mercado habitacional para o turismo.

Em suma, é a lógica do mercado a dominar todos os aspetos das nossas vidas, em que as/os trabalhadoras/es são peças descartáveis das engrenagens corporativas que não hesitam sequer para ponderar no impacto que as ações têm na vida das pessoas que, durante anos, contribuíram para o sucesso da empresa e dos seus cabecilhas.

Um ótimo lugar para trabalhar, mas só no século XIX!

Ricardo Salabert

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