Os desafios que a greve dos trabalhadores do setor automóvel nos EUA enfrenta

A greve do sindicato UAW (United Auto Workers) é uma batalha pela afirmação dos sindicatos e dos direitos dos trabalhadores num contexto de transição para a fabricação de veículos elétricos, questão que virá a ser colocada na AutoEuropa, em Palmela, e, consequentemente, em todo o setor. O movimento sindical quer ganhar as corajosas reivindicações daquele sindicato. Está a mostrar presença e a mobilizar os seus militantes em amplas ações de solidariedade. Esta luta é exemplar do papel fundamental que os sindicatos devem desempenhar na exigência de uma transição energética justa, em defesa de postos de trabalho, de direitos e condições de trabalho.
por Coral Wheeler
 

O United Auto Workers (UAW), sindicato que representa mais de 400.000 trabalhadores nos Estados Unidos, no Canadá e em Porto Rico, está a fazer história. No passado dia 15 de Setembro, cerca de 13.000 trabalhadores largaram o trabalho: uma greve pioneira, testemunho do formidável ressurgimento do movimento operário nos últimos anos. Uma greve com potencial para catapultar todo o movimento operário para uma luta pela afirmação dos sindicatos.

A táctica da greve não tem precedentes. Em homenagem às famosas “greves sentadas” do UAW, na década de 1930, o sindicato está a fazer “greves levantadas”, um novo método de greves seletivas, que mantém a capacidade de acrescentar pontos ou mudá-los rapidamente.

Decidiu-se começar por só fazer greve em três fábricas. No entanto, em 22 de Setembro, a greve ampliou-se a 38 locais, em 20 Estados, cobrindo as nove regiões do UAW, num total de 18.300 trabalhadores em greve. Igualmente pouco visto nos últimos anos foi o esmagador apoio das pessoas em geral, com 70% do país favorável às reivindicações do UAW.

Esta revolta é fruto directo do recente êxito da oposição sindical, o United All Workers for Democracy (UAWD) – movimento de base de sindicalistas que ganhou as últimas eleições no UAW. Este movimento meteu-se à luta nas eleições directas dos membros do Conselho Executivo Internacional (IEB) do UAW – um filiado, um voto – e ganhou. O resultado foi a eleição do actual presidente, Shawn Fain.

Fain representa uma ruptura com a anterior direcção corrupta dos UAW que, nas negociações contratuais, engolia concessões. Ao por directamente a questão de classe, Fain retratou o novo estado de espírito que se sente por todo o movimento operário: patrões e trabalhadores não são parceiros – são inimigos.

Foi assim que Fain foi capaz de galvanizar o sindicato. E é também por isso que os sindicalistas estão, de modo geral, a dar o benefício da dúvida a Fain e à direcção na estratégia de greve.

Uma estratégia nova e ousada – a da onda flexível – suscita algumas perguntas

Ao recorrer à estratégia da “greve levantada”, a nova direcção demonstra o potencial do sindicato, sem deixar de manter a flexibilidade e protegendo o fundo de greve do UAW, na perspectiva de uma batalha demorada.

Logo que as primeiras fábricas entraram em acção, a Ford Motor Co. foi forçada a dobrar a sua oferta de aumento salarial e, muito mais do que isso, a abandonar o sistema de dois níveis de contratação. Dado esse passo deste construtor automóvel, a mais recente escalada da greve, em que mais 5.600 trabalhadores abandonaram o trabalho, poupou as suas fábricas. A nova táctica recompensou, na prática, a Ford por dar um passo em direcção ao sindicato. As outras duas empresas continuaram a ser alvos do sindicato.

Por enquanto, segundo a comunicação social e as redes sociais, a base do sindicato apoia a táctica da direção. Mas há quem hesite. Havia trabalhadores que esperavam que o sindicato recorresse ao que eles achavam ser a melhor estratégia – mostrar logo a força toda do sindicato, pondo em greve todas as fábricas ao mesmo tempo, todos os 150 mil trabalhadores representados. A vantagem era exibir logo todo o poder do sindicato.

As reivindicações dos trabalhadores do sector automóvel afectam todo o movimento operário

O UAW luta por recuperar a estabilidade que os seus membros perderam. Lutam por um aumento salarial substancial, de 36%, pelo fim do sistema dos dois níveis, por aumentos em função da inflação crescente, por sistemas de saúde e pensões decentes e – acima de tudo – por um plano de transição para os veículos eléctricos (EV) que não resulte numa perda maciça de postos de trabalho sindicalizados.

O “entusiasmo” da imprensa capitalista com os veículos eléctricos é indisfarçável. A produção de EV precisa de menos peças e de menos trabalhadores.

Vai ser preciso construir novas fábricas de veículos eléctricos, requalificar os trabalhadores para operar os novos equipamentos. Se os fabricantes de automóveis levarem a sua avante, estas novas fábricas – subsidiadas pela recente legislação da administração Biden, que fomenta a passagem para a produção de EV – serão implantadas principalmente nos Estados do Sul dos Estados Unidos, onde a legislação anti-laboral torna muitíssimo difícil sindicalizar os trabalhadores.

Vale a pena salientar que quem retirou da lei de Biden sobre veículos eléctricos uma disposição que exigia que as novas fábricas empregassem trabalhadores sindicalizados foram os democratas.

Converter tantos postos de trabalho sindicalizados em empregos sem sindicalização aceleraria, nos Estados Unidos, a espiral descendente para níveis nunca vistos na história recente. Seria um golpe tremendo para o UAW e para o movimento sindical como um todo. É fundamental que isto seja um ponto central da actual luta do UAW. Que todas as joint venture de EV/lítio sejam sindicalizadas!

Biden sob pressão para manter a fachada de “amigo dos trabalhadores”

Numa acção que salta à vista desarmada como manobra cuidadosa para reforçar a sua pretensão de ser “o melhor amigo que os trabalhadores alguma vez tiveram na Casa Branca”, o Presidente Biden anunciou que iria participar num piquete de greve, na terça-feira, 26 de Setembro. Além disso, Biden disse aos fabricantes que deviam partilhar os lucros recorde das empresas, celebrando contratos sindicais recorde.

Claro que Biden é tudo menos amigo dos trabalhadores. Está bem documentada a sua relutância em defender activamente legislação favorável aos sindicatos – posição que era, aliás, a do Partido Democrático no seu todo. Biden desdobra-se em desculpas por nunca ter chegado o “momento certo” para o Employee Free Choice Act (EFCA) nem para o PRO Act “recolher uma maioria”. Se Biden apoiasse a sério os trabalhadores do sector automóvel, faria o necessário para instar os fabricantes de automóveis a aceitarem as reivindicações do UAW, não a “partilhar lucros”.

Faz, aliás, poucos meses que Biden mostrou a sua verdadeira face, quando obrigou os sindicatos ferroviários a cancelarem a sua greve. Desta vez, pelo menos, não pode obrigar os trabalhadores do automóvel a fazer o mesmo.

Com as eleições ao virar da esquina, Biden sabe que não pode separar esta questão da sua próxima candidatura presidencial. Precisa que o UAW e outros sindicatos apoiem a sua candidatura e façam campanha. Mandou os seus principais representantes ver se encontravam um acordo entre o sindicato e os fabricantes. Está desesperado por, neste conflito, ser visto contraditoriamente como salvador tanto do sindicato como da indústria automóvel.

Encontrar um compromisso não será, porém, fácil. Os dois lados ainda estão muito distantes. Para haver um acordo, o sindicato teria de recuar e não pouco – por exemplo, concordar (como alguns na imprensa da especialidade propõem) em participar numa comissão de parceria entre trabalhadores e administração para “analisar” a questão dos veículos eléctricos e do seu impacto nos trabalhadores. Se os UAW se mantiverem firmes, nem Biden conseguirá fazer de ponte.

É preciso continuar a escalada da greve

As bases querem uma greve curta e eficaz. A forma mais eficaz de acabar rapidamente com isto, com vantagem para os trabalhadores, é o UAW aplicar todo o seu poder e escalar a greve logo que houver oportunidade. O UAW também poderia apelar ao movimento operário no seu todo para se mobilizar em solidariedade com os trabalhadores do sector automóvel. Está-se a lutar contra a destruição dos sindicatos. Está-se a lutar pela simples existência de sindicatos operários.

Apelamos ao movimento operário para que apoie a luta dos operários do sector automóvel. Apelamos também ao movimento sindical para que rompa com o Partido Democrático. Concordamos com o que o presidente da AFL-CIO de Vermont, David Van Deusen, disse: que “[os democratas são] um partido dos bilionários capitalistas, não nosso (da classe trabalhadora). (…) [o] que é facto é que eles, afinal de contas, também são nossos inimigos”.

Apoiemos, todos, o UAW na sua luta histórica!

[Editorial do jornal socialista americano The Organizer]

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