Privatização da EFACEC – depois do BES/Novo Banco, vêm aí, de novo, os abutres

por Adriano Zilhão

No início de Junho, a imprensa anunciou que o governo escolheu o “fundo alemão MUTARES” para ficar com a EFACEC, no contexto da privatização desta empresa de engenharia, nacionalizada em 2020 na sequência do caso “Luanda Leaks” e do ajuste de contas dos Estados português e angolano com Isabel dos Santos.

Os pormenores do negócio

É fácil dar pormenores do negócio da privatização: não há. É tudo segredo.

Primeiro: o negócio só será concluído se a Comissão Europeia disser que sim, senhor, não infringe a sagrada lei da concorrência livre e sem entraves.

Segundo: os credores (bancos e titulares de obrigações) “terão de perdoar parte da dívida” (eco, 7 de Junho de 2023). Segundo o mesmo jornal, o ministro da economia, Costa Silva sobre isso “pouco quis adiantar”. Nada e nada.

Não obstante, parece que a proposta da “empresa” alemã deu “grande conforto” a Costa Silva. O ministro, posto que confortado, escusou-se a revelar “quanto é que o grupo alemão vai pagar pelo negócio.

Consta que, em Maio de 2023, o Estado tinha uma “exposição” à EFACEC (ou seja, a EFACEC devia ao Estado) de 217 milhões, entre empréstimos concedidos e garantias dadas. À banca deverá a empresa 150 milhões; a obrigacionistas, 85 milhões.

O ministro mais diz que os credores bancários e obrigacionistas terão de aceitar perdas: ou seja, perdoar aos compradores alemães da EFACEC parte do que a EFACEC deve a esses credores. Em relação às “perdas que o Estado irá ter de assumir com o negócio”, os responsáveis do governo não quiseram, porém, “desvendar o plano”.

A “empresa” compradora

A empresa compradora, de seu nome MUTARES, tem sido descrita na imprensa como um “grupo alemão” ou como uma “holding industrial alemã, (…) especialista na reorganização e otimização de empresas de média dimensão, assumindo-se como um fundo que tem uma estratégia de longo prazo.” (Jornal Negócios, 1 de Junho).

Um olhar rápido pela página web da MUTARES permite outras conclusões. A MUTARES diz de si mesma que é “um investidor de private equity, internacionalmente activo, centrado em special situations (em inglês no texto alemão)”. O seu foco é a aquisição de “partes de empresas de grandes grupos económicos (carve-outs) e médias empresas em situações de transição”. Traduzido para linguagem vagamente normal: é um fundo alimentado por capital vindo de fortunas de investidores privados, que persegue e ataca empresas ou partes de empresas em crise, com o objectivo de restruturá-las e delas extrair o máximo valor possível para os tais investidores privados do fundo.

O objectivo final consiste no “harvesting” (em inglês no texto alemão; aproximadamente: “a vindima”): “Promove-se activamente a realização do potencial de valor de cada participada, passando pelas várias fases de desenvolvimento, de molde a conseguir uma alienação lucrativa da empresa. O objectivo que preside a esta acção é obter um retorno de sete a dez vezes o capital empatado.” Comprar, “restruturar”, vender pelo décuplo.

O fundo explica laboriosamente que tem uma estratégia de “longo prazo”. O que é o “longo prazo”? “O tempo que almejamos manter o  nosso investimento é de aproximadamente entre 3 e 5 anos.

Mais um fundo abutre (mas o Estado também gostava de roer um osso ou outro, se desse).
Os trabalhadores que se preparem

Por que razão ninguém diz aos trabalhadores a verdade nua e crua? Que o governo Costa/CostaSilva acaba de entregar a EFACEC a um fundo abutre idêntico ao que, orçamento a orçamento, explorou até ao tutano o Estado português via BES/Novo Banco? Há uma diferença, sim: este é alemão, o outro era texano.

É certo que, sem revelar nada, o ministro sempre adiantou (a fonte é, ainda, o eco de 7 de Junho) que “haverá um mecanismo de partilha de valor “inovador” que permitirá ao Estado reaver o que investiu até agora. “Será um mecanismo inovador em que a Mutares valorizará a empresa para certos patamares e partilhará valor com o Estado (…), que ficará com um direito económico através de um acordo que vamos assinar.

Ou seja, o governo começa por dizer que o Estado irá perdoar uma boa parte do que lhe é devido e pede à banca e outros credores que perdoem também. Mas o espertalhão do ministro desta vez vai fazer um belo deal: quando a MUTARES multiplicar por sete a dez o capital que tiver empatado no negócio (depois das devidas “restruturações”, “emagrecimentos” e outros tratamentos de choque, que os trabalhadores sentirão na pele), o Estado também irá ter o direito de chupar algum tutano dos ossinhos. É o progresso na versão Costa/CostaSilva: o Estado promovido a abutrezinho ajudante dos grandes. É mais do que tempo de os trabalhadores discutirem o que se prepara e montarem a sua resistência.

Adriano Zilhão

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