Ucrânia – quem se opôs ao Governo atual está detido ou morto

Artigo sobre a repressão política na Ucrânia, de Maxim Goldarb, presidente da União de Forças de Esquerda (por um Novo Socialismo)

A Ucrânia foi, por muito tempo, considerada o país mais livre do espaço da ex-União Soviética. Até há dez anos, partidos políticos e organizações públicas de todas as cores e uma variedade de meios de comunicação operavam livremente no nosso país. Opositores políticos, jornalistas e ativistas podiam criticar abertamente e sem medo das autoridades. Qualquer tentativa de evitar críticas às atividades das autoridades tornava-se um grande escândalo, de modo que eram poucas essas tentativas.

Mas tudo mudou espetacularmente desde [as manifestações e tumultos do] Euromaidan 2014. O regime oligárquico de extrema-direita que assumiu o poder com uma ideologia nacionalista começou a perseguir com métodos terroristas os seus opositores.

O exemplo mais trágico, não de perseguição, mas de assassinatos do regime no poder em Kiev contra opositores ideológicos ocorreu em Odessa, em 2 de maio de 2014. Militantes nacionalistas, com total conivência e apoio das autoridades, impediram as atividades antifascistas que ocorriam na Casa dos Sindicatos, incendiando o prédio. Muitas pessoas tiveram de se atirar pelas janelas para fugir das chamas, acabando por morrer. Mais de 40 pessoas morreram, incluindo Vadim Papura, membro do Komsomol (a união de jovens comunistas), bem como Andrei Brazhevsky, membro da organização de esquerda Borotba.

Nunca ninguém foi punido por este crime, embora aqueles que participaram do ataque tenham ficado registados em muitas fotografias e vídeos. Um dos organizadores do massacre tornou-se mais tarde presidente do Parlamento ucraniano [Ruslam Stefanchuk] e um outro entrou no Parlamento nas listas do partido do ex-presidente Poroshenko.

O mesmo aconteceu com os assassinatos de vários políticos e jornalistas de oposição conhecidos. Da oposição, foram mortos desde 2014: o ex-deputado do Partido Socialista Ucraniano, Valentina Semenyuk-Samsonenko, (assassinato disfarçado de suicídio, 27 de agosto de 2014); o ex-deputado, organizador de ações da oposição, Oleg Kalashnikov (morto a 15 abril de 2015); o popular escritor e publicitário antifascista Oles Buzina (morto em 16 de abril de 2015) e muitos outros. As atividades do maior partido de esquerda do país naquela época, o Partido Comunista da Ucrânia, foram banidas.

Além disso, os políticos, jornalistas e ativistas de oposição, muitos deles de esquerda, foram espancados, presos e encarcerados nos últimos anos, sob falsas acusações de “alta traição” e outras acusações flagrantemente políticas. Foi assim com os jornalistas Vasily Muravitsky, Dmitry Vasilets, Pavel Volkov e o ativista de direitos humanos Ruslan Kotsaba, entre outros. É característico que, uma vez em tribunal, e apesar da pressão das autoridades, essas acusações desmoronam-se e revelam-se completamente insustentáveis.

A situação política deteriorou-se ano após ano, especialmente desde que Volodymyr Zelensky se tornou presidente da Ucrânia. O motivo formal para a eliminação completa dos resquícios de liberdades civis e o início de uma repressão política aberta foi o conflito militar que começou na Ucrânia em fevereiro de 2022.

Todas as forças da oposição na Ucrânia, maioritariamente de esquerda, entre as quais a União de Forças de Esquerda (por um Novo Socialismo) sob minha liderança, foram banidas com base em acusações fabricadas e falsas de serem “pró-russas”.

Ao mesmo tempo, o único membro do parlamento ucraniano que foi abertamente colaborador com as organizações criadas pela Rússia no território da Ucrânia, Oleksiy Kovalyov, representou o partido do presidente Zelensky, o Servo do Povo. Além disso, ao longo da guerra, o partido no poder foi abalado por escândalos de corrupção com grande repercussão que minam a autoridade dos representantes públicos aos olhos do povo e destroem os restos da autoridade da Ucrânia aos olhos da comunidade mundial (os casos do chefe adjunto da Gabinete do Presidente Kyrylo Tymoshenko, do ministro da Defesa, Oleksiy Reznikov e seu vice, Vyacheslav Shapovalov, vice-ministro de Desenvolvimento de Comunidades, Territórios e Infraestruturas, Vasily Lozinsky, do presidente do Conselho de Administração da Naftogaz Ukrainy, Andriy Kobolev, do chefe da Administração Militar Regional de Dnepropetrovsk, Valentyn Reznichenko, e outros).

Apesar do facto de esta “atividade” do partido no poder ser uma ameaça direta à segurança e à existência do país, por algum motivo ainda não foi proibida pelas autoridades.

O Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) deteve vários líderes de opinião e jornalistas que fizeram comentários e criticaram o governo nos média antes da guerra de comunicação. Todos eles foram acusados de promover uma postura pró-Rússia, alta traição, espionagem, propaganda, etc.

Uma longa lista de detenções, desaparecimentos e mortes

Em fevereiro-março de 2022, conhecidos bloguistas e jornalistas foram detidos sob a acusação de alta traição e internados em centros de prisão preventiva (SIZO), como Dmitry Dzhangirov (de esquerda, colaborou com o nosso partido), Yan Taksyur (de esquerda), Dmitry Marunich, Mikhail Pogrebinsky, Yuri Tkachev, etc. O motivo para estas detenções não foi de forma alguma por traição, mas pelo medo da posição pública das autoridades que não coincidia com a oficial.

Em março de 2022, o historiador Alexander Karevin, conhecido pela sua cidadania ativa, desapareceu sem deixar vestígios após agentes da SBU terem ido a sua casa. Karevin criticou repetidamente a ação das autoridades ucranianas no terreno das ciências humanas, da política linguística e da política da memória histórica.

Em fevereiro de 2023, Dmitry Skvortsov, um publicista e bloguista ortodoxo, foi preso num mosteiro perto de Kiev e internado num centro de detenção preventiva.

Em março de 2022, em Kiev, a advogada e ativista de direitos humanos conhecida pelas posições antifascistas, Olena Berezhnaya, foi enviada para um centro de detenção preventiva por suspeita de traição (nos termos do artigo 111 do Código Penal). Esta ativista tinha falado com o Conselho de Segurança da ONU, em dezembro de 2021, sobre a ilegalidade do que estava a acontecer na Ucrânia.

Em 3 de março de 2022, os irmãos Alexander e Mikhail Kononovichi, ativistas antifascistas, foram presos em Kiev acusados de violar o Artigo 109 do Código Penal da Ucrânia (“Ações direcionadas para mudar à força a ordem constitucional ou tomar o poder de Estado”). Foram colocados num centro de detenção provisória até ao final de 2022, onde foram espancados e torturados, e negada assistência médica.

Em maio de 2022, em Dnipro, o SBU prendeu Mikhail Tsarev, irmão do ex-candidato presidencial Oleg Tsarev, acusado de “desestabilizar a situação sociopolítica na região”. Em dezembro de 2022, foi condenado por terrorismo a 5 anos de prisão.

Em 7 de março de 2022, seis ativistas da organização de oposição Patriotas para a Vida desapareceram sem deixar vestígios em Severodonetsk e, em maio, um dos líderes do grupo Azov, Maxim Zhorin, postou na Internet uma foto dos seus cadáveres, afirmando que “eles tinham sido executados”, e que os seus assassinatos estavam relacionados com a sua organização e tinham sido realizados por estruturas paramilitares.

Em 12 de janeiro de 2023, Sergei Titov, residente em Belaya Tserkov, uma pessoa deficiente semicega com uma doença mental, foi preso e internado num centro de detenção preventiva por “sabotador”. Em 2 de março, foi noticiado que ele tinha morrido no centro.

Desde novembro de 2022, que Dmitry Shymko, de Khmelnytsky, está nos calabouços pelas suas convicções políticas.

Centenas de perseguidos por divulgação de conteúdos políticos online

As autoridades têm sob rígido controle o espaço de informação da Ucrânia, incluindo a Internet. Quaisquer publicações pessoais de cidadãos sobre erros na frente, sobre a corrupção das autoridades e dos militares ou sobre as mentiras dos funcionários são declaradas crime. Essas pessoas, além de bloguistas e administradores dos canais do Telegram, estão sujeitas a assédio por parte da polícia e do Serviço de Segurança.

De acordo com a SBU, na primavera deste ano, 26 canais do Telegram onde as pessoas se informavam sobre as convocatórias de mobilização foram bloqueados. Seis administradores foram referenciados e considerados suspeitos. Foram bloqueadas páginas que funcionavam nas regiões de Ivano-Frankivsk, Cherkasy, Vinnitsa, Chernivtsi, Kiev, Lviv e Odessa, onde havia mais de 400.000 utilizadores. Os administradores destas páginas enfrentam penas de dez anos de prisão.

Em março de 2022, foi introduzido no Código Penal da Ucrânia o artigo 436-2 sobre “Justificação, reconhecimento como lícita, negação de agressão armada da Federação Russa contra a Ucrânia, glorificação dos seus participantes», que na verdade é dirigida contra qualquer cidadão da Ucrânia que pense algo diferente da posição política oficial.

Este padrão é formulado de tal forma que, no essencial, prevê a punição de «infrações» do pensamento: palavras, frases ditas não só em público, mas também numa conversa privada, escritas num canal privado ou numa mensagem SMS enviada por telefone. Na verdade, estamos a falar de uma invasão da vida privada dos cidadãos, dos seus pensamentos. Isso foi confirmado pela aplicação da própria lei: até março de 2023, havia 380 condenações no registo de decisões judiciais, por simples conversas na rua e “likes” na Internet, incluindo penas efetivas de prisão.

Assim, em junho 2022, em Dnipro, um morador de Mariupol que, em março de 2022, afirmou que o bombardeamento de civis e da infraestrutura civil de Mariupol tinha sido executado por militares das Forças Armadas da Ucrânia, foram condenados a 5 anos de prisão. Outra sentença, baseada numa conversa telefónica em março de 2023, foi aplicada contra um morador de Odessa, condenado a dois anos de liberdade condicional por conversas “antipatriótico e anti-Estado” por telemóvel.

Um morador da aldeia de Maly Bobrik, na região de Sumy que, em abril de 2022, estando no pátio da sua casa na presença de três pessoas, aprovou ações das autoridades russas em relação à Ucrânia e não admitiu culpabilidade, foi condenado, sob o Artigo 436-2 do Código Penal, em junho de 2022, numa pena efetiva de seis meses de prisão.

Pelo menos 25 ucranianos foram condenados por “atividades anti ucranianas” nas redes sociais. De acordo com a investigação, esses moradores distribuiram símbolos “Z”, bandeiras russas nas suas páginas e descreveram a invasão como “libertação”.

Também foram impostas penas não apenas a quem distribuiu tais publicações, mas também a quem “gostou” delas (expressaram a sua aprovação em redes sociais) – pelo menos os textos de dois acórdãos dizem que os chamados “likes” tinham o objetivo de “levar a ideia a uma ampla gama de pessoas de mudança das fronteiras do território da Ucrânia” e “justificar a agressão armada da Federação Russa». A justificação dada pelos investigadores foi que as páginas pessoais têm acesso aberto, e posts com “likes” podem ser vistos por muita gente.

Assim, em maio de 2022, em Uman, um aposentado foi condenado a dois anos de prisão com um período experimental de um ano pel o facto da « rejeição às atuais autoridades ucranianas […] coloquei “likes” na rede de Internet Odnoklassniki para uma série de publicações justificando a agressão armada da Federação Russa v. Ucrânia».

Em Kremenchug,  em Maio de 2022, nos termos do artigo 436.º-2 do Código Penal de Ucrânia, foi condenado um cidadão da Ucrânia, que sob pseudónimo, falou na Odnoklassniki sobre os nazis na Ucrânia e o desenvolvimento de armas biológicas financiadas pelo Pentágono.

A repressão usada pelo atual governo para lutar contra os que discordam fez da Ucrânia, do Estado mais livre do Europa, num Estado onde qualquer um que se atreva a opor-se às autoridades, à oligarquia, ao nacionalismo e ao neonazismo arrisca a liberdade e, muitas vezes, a vida.

Solicitamos toda a divulgação possível destas informações. Atualmente, apenas a ampla publicidade internacional dos factos destacados neste artigo pode ajudar a salvar milhares de pessoas cuja liberdade e vida estão agora ameaçadas na Ucrânia.

Maxim Goldarb

[Tradução da responsabilidade de Convergência)

2 pensamentos sobre “Ucrânia – quem se opôs ao Governo atual está detido ou morto

  1. A esta interminável lista de prepotências de caracter abertamente fascizante, sempre ocultadas pela imprensa ocidental que se diz democrática e livre, gostaria de acrescentar mais alguns factos. Aquando da invasão russa, um elevado número de autarcas ucranianos foi assassinado pelos activistas neonazis por alegada colaboração com o inimigo. Na verdade, tratou-se isso sim de conversações com o invasor sobre a organização de corredores humanitários para poupar vidas civis. Do mesmo modo, o líder da equipa ucraniana às primeiras negociações de paz foi assassinado a tiro em Kiev em pleno dia, também por colaborar com o inimigo. Isto para já nem falar dos videos publicados por esses torcionários onde se gabam de tortura e assassínio de prisioneiros russos e também de sérias sevícias contra os seus próprios concidadãos que recusaram participar em escudos humanos durante o conflito. É nisto que consiste a defesa dos alegados valores ocidentais por parte da oligarquia no poder na Ucrânia.

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