Balanço Legislativas 2024 e o novo quadro político

A Moção E apresentou na reunião da Mesa Nacional, realizada hoje, dia 16 de março, o seguinte projeto de resolução sobre as Legislativas antecipadas, como contributo para o debate necessário:

1 – A vitória da AD, apesar de tangencial, e a ausência de uma maioria de votos entre o PS e a esquerda, tornam evidente que o PR indicará o líder do PSD para formar novo governo. Não é verosímil que o resultado da votação das comunidades na emigração altere este quadro.

2 – O crescimento da extrema-direita alterou de forma substancial a composição da AR. Se não existirem entendimentos do tipo bloco central, de modo formal ou informal, a direita não conseguirá maioria de suporte a um governo sem o contributo do Chega.

3 – A instabilidade política decorre dessa nova composição do parlamento e do realinhamento de forças, tendendo a ser o aspeto mais marcante desta nova legislatura. Os movimentos sociais e os vários setores do movimento laboral terão consciência desta situação, podendo vir a assumi-la na defesa de posições já alcançadas, na luta contra retrocessos sociais anunciados pela direita e extrema-direita ou na procura de novos objetivos.

4 – Entre outros fatores, inclusive de caráter internacional, a direita ganhou estas eleições e a extrema-direita cresceu como consequência direta e imediata da política do PS que não respondeu às várias crises, às preocupações de vastos setores sociais, apesar da sua maioria absoluta e dos excedentes orçamentais.

5 – A degradação dos serviços públicos, sobretudo na saúde e na educação, a crise na habitação, as perdas salariais por ação da inflação e pelos bloqueios impostos pela legislação laboral que o PS se recusou a mudar, o aumento da precariedade e a juventude a ser empurrada para a emigração, as pensões baixas, a prevalência dos interesses dos negócios sobre o ambiente com o envolvimento de membros do Governo, geraram descontentamento, revolta e um sentimento de urgência de mudança que a direita e a extrema-direita conseguiram capitalizar. Esta guerra social contra trabalhadores e os mais fragilizados precisava de ter sido detetada, compreendida e dada resposta à altura, que não podia estar presa a um entendimento com quem a produziu.

6 – A dramatização do voto útil e a bipolarização não tiveram efeito eleitoral superior ao ocorrido em 2019 e em 2022. Pelo contrário, o conjunto dos votos nos partidos do bloco central nestas eleições de 2024 diminuiu em relação às duas anteriores legislativas (2019 e 2022). Acabou por emergir um terceiro polo com a força de mais de 1 milhão e 100 mil votos, o Livre cresceu, a IL, o Bloco e o PAN mantiveram-se no essencial comparativamente a 2022, só a CDU caiu cerca de 30 mil votos.

7 – A ideia da bipolarização e de que apenas havia um “bloco à direita” e um “bloco à esquerda” não se confirmou. Não se descarta a pressão existente nesse sentido, mas, de facto, os eleitores/as não votaram em “blocos”, mas em partidos e no que entenderam que os distinguia. Só assim se percebe que quem venceu, a AD, tenha apenas um pequeno aumento de votos, equivalente à diminuição da abstenção, o PS tenha uma forte queda, o Chega obtenha um enorme crescimento e tenham ocorrido algumas subidas ou manutenção de outros.

8 – A tese de que o insistente apelo a uma aliança de governo com o PS protegeu o Bloco da bipolarização é meramente autojustificativa da linha seguida, como os resultados eleitorais demonstram. Na realidade, o que aconteceu é que esse apelo como eixo central da campanha do BE agravou as dificuldades pré-existentes e impediu a polarização em torno de uma política de captação de votos em muitos setores populares revoltados contra a falta de respostas dos governos do PS e as iniquidades do sistema.

9 – O líder do PS não quis demarcar-se dos governos anteriores e perdeu, o Bloco colou-se ao PS e não recuperou a confiança perdida ao longo do anterior ciclo eleitoral. O Bloco afastou-se da sua matriz.

10 – Um balanço superficial assente na “resistência” do Bloco e na obtenção de mais 34 mil votos (em grande parte resultado do aumento de votantes em geral) é colocar o patamar de comparação ao nível da maior derrota eleitoral do BE, a de há 2 anos. A conclusão a tirar é que o Bloco não conseguiu dar um passo na recuperação da confiança e da influência política e que isso teve a ver com a orientação tática da campanha incapaz de polarizar discurso e proposta.

11 – Efetivamente, não era possível fazer dominar o programa eleitoral e a campanha com uma declaração solene para um acordo de governação com o PS, insistindo nisso durante toda a campanha, e ao mesmo tempo criticar com coerência a desastrosa política praticada pelo PS. Aos olhos das pessoas era contraditório. Na prática, constituiu um contributo para a agenda da governabilidade, quando largos setores da população precisavam e queriam soluções para os seus problemas.

12 – Do mesmo mal se pode queixar o PCP que, para além dos ziguezagues em relação à guerra na Ucrânia, cada vez mais está marcado pela perceção do partido fora de tempo.

13 – O crescimento do Livre ter-se-á devido ao voto de descontentes com o PS, captados pelo discurso conciliatório do seu líder, que rejeitaram o voto útil e já não confiam no Bloco.

14 – O Bloco viu todos os seus objetivos caírem: derrotar a direita, estabelecer um acordo de governação com o PS, participar numa maioria parlamentar com o PS e a esquerda, crescer e ter maior GP, eleger nos círculos onde tinha perdido eleitos.

15 – Desistiu de enfatizar bandeiras marcantes, como o fim dos privados no SNS, não desbaratar o investimento público na TAP, aumentar salários e rever as normas contra a contratação coletiva, mobilizar os fogos devolutos para aumentar a oferta sob controlo público a curto prazo e baixar as rendas, medidas concretas para enfrentar a crise climática, opor-se ao caminho neoliberal da UE que abre as portas à extrema-direita e que se virou para o armamentismo, denunciar os 2% do OE para a NATO, etc.

16 – No novo quadro político pós-eleições, é fundamental ter humildade crítica sobre a linha política em que a maioria da Direção persiste e que está a prolongar o anterior ciclo de maus resultados eleitorais e de definhamento da base do Bloco. Como enfrentar o novo governo e o avanço da direita e da extrema-direita, como defender a democracia e conquistas sociais, como mobilizar e dar força aos movimentos sociais essenciais para impedir o chamado bloco central informal e combater a extrema-direita, com que política enfrentar as próximas eleições, como recuperar a participação e a democracia internas no Bloco. Exige-se debate político aberto, espírito autocrítico, respeito pela pluralidade e pelo funcionamento dos órgãos do Bloco.

17 – Nas eleições europeias de 9 de junho, é fundamental contribuir não só para a clarificação política no nosso país, como afirmar uma visão alternativa para a Europa, com direitos sociais e salários dignos, com prioridade nos combates à pobreza, à regressão social e ao agravamento dos fatores de crise ambiental, que ganhe autonomia estratégica, promova a paz e seja efetivamente solidária com a Palestina reconhecendo-a como Estado. Na guerra da Ucrânia urge substituir a via sem solução das armas, da morte, da destruição e do atrelamento à NATO pelo caminho das negociações para a paz. Para isto é preciso ser eurocrítico. São respostas necessárias na preparação na candidatura e no debate para um programa às eleições europeias, a aprovar na Mesa Nacional do dia 6 de abril.

Moção E

16.mar.2024

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