Intervenção de Pedro Soares na Conferência Europeia “Contra a guerra – contra a guerra social”

Pedro Soares foi convidado a intervir na Conferência Europeia “Contra a guerra – contra a guerra social”, que teve lugar no passado dia 8 de julho, em Berlim (com ligações via zoom a toda a Europa). A Conferência surgiu na sequência do “Manifesto para a Paz” lançado pela deputada do Die Linke, Sahra Wagenknecht, e pela jornalista e feminista alemã, Alice Schwarzer, que recolheu um amplo apoio de personalidades, sindicalistas, ambientalistas e diversos movimentos sociais por toda a Europa.

Reproduz-se de seguida a intervenção integral de Pedro Soares na Conferência Europeia:

A guerra é o novo fracasso da União Europeia. Já tínhamos assistido ao falhanço da Europa da solidariedade, do desenvolvimento equilibrado entre países e regiões, dos critérios democráticos inultrapassáveis, da Europa exemplar na defesa dos direitos do trabalho, no combate às discriminações, ao racismo e à xenofobia. Agora, depois da guerra nos Balcãs, foi a promessa de uma Europa de paz que ruiu. Em abono da verdade, era muito difícil que assim não fosse. O que temos, a par da guerra, é a Europa dos Tratados que impõem um caminho neoliberal, de ataque a direitos soberanos, que olha com relativa indiferença para o Mediterrâneo e para os Direitos Humanos. Uma Europa dependente dos EUA e da NATO, sem autonomia nas opções geoestratégicas.

Um alegado enfraquecimento do regime de Putin como consequência da ameaça a Moscovo do grupo Wagner, do oligarca Yevgeny Prigozhin, deu azo ao reforço dos discursos em defesa da escalada bélica e do fortalecimento das posições da NATO. Há quem diga que esta é a oportunidade de derrotar militarmente a Rússia.  Em suma, a engrenagem que sustenta a guerra acelerou, aumentando todos os perigos de uma escalada militar no conflito ucraniano.

A ação de Prigozhin não constitui expressão das fraturas no seio da sociedade russa, nem dos anseios de mais democracia e paz, nem tem a ver com qualquer linha de oposição a um regime autoritário, violento, explorador das riquezas nacionais a favor de oligarcas, que envia milhares de jovens russos para a morte e continua a massacrar o povo ucraniano. Putin e Prigozhin são “farinha do mesmo saco.”

Entretanto, Rússia e Ucrânia acusam-se mutuamente sobre a preparação de um ataque à central nuclear de Zaporíjia, a maior da Europa. Já tivemos o caso da sabotagem do gasoduto Nordstream e, recentemente, da barragem de Kakhovka. Não se sabe ao certo quem foi o responsável pelas explosões, mas é facto que aconteceram e, seja quem for o verdadeiro culpado, não há dúvidas quanto à utilização de infraestruturas sensíveis como armas de guerra, com consequências diretas para a vida, o ambiente e a segurança das pessoas.

Não devia ser possível continuar a encarar com uma elevada dose de indiferença o perigo dramático de um ataque em Zaporijia, venha ele de onde vier, e com consequências incomensuráveis para pessoas, territórios e sistemas ecológicos.

Tudo tem de ser feito para recusar a chantagem e deter a escalada que está a conduzir a uma guerra total de disputa entre potências imperialistas, as atualmente hegemónicas lideradas pelos EUA e as dos blocos emergentes, com o risco de desastres nucleares e a possibilidade de intervenção de armas nucleares.

A recente resolução do Parlamento Europeu, de 15 de junho, que posiciona os interesses do capital europeu na reconstrução pós-guerra da Ucrânia, sublinha que “a paz resultante de uma vitória da Ucrânia deve ser garantida através da integração da Ucrânia na NATO e na UE” e “exorta os aliados da NATO a honrarem o seu compromisso relativamente à adesão da Ucrânia à NATO e faz votos por que as próximas cimeiras em Vílnius e Washington abram caminho a um convite à adesão da Ucrânia à NATO.” Nesta resolução, a ideia da neutralidade da Ucrânia, que chegou a ser aceite em tempos pelas autoridades ucranianas, é deitada para o lixo em troca do reforço das posições da NATO na Europa, enquanto incentiva por todos os meios o prolongamento da guerra e a escalada militar no conflito. Lamentavelmente, houve quem à esquerda tivesse votado a favor desta resolução do Parlamento Europeu.

A única solução verdadeiramente realista para esta guerra começa pela condenação do discurso da escalada militar, por um posicionamento da comunidade internacional que recuse o jogo mortífero entre os EUA/UE e a Rússia, que exija um cessar-fogo imediato e a abertura de negociações para um plano de paz, como tem defendido Lula da Silva.

Este é o combate pela paz de uma esquerda solidária com os povos, de forma independente, em qualquer instância ou órgãos institucionais, sabendo que os trabalhadores/as nada têm a ganhar com a guerra. Uma luta pela paz sob a consigna “Putin fora da Ucrânia, NATO fora da Europa”.

A coberto da guerra na Ucrânia, aprofunda-se na UE a guerra social. Os protestos em várias cidades francesas contra o assassinato do jovem Nahel pela polícia, demonstram o profundo problema social que alastra à medida que os liberais de Macron aumentam a ofensiva contra os direitos e os rendimentos de uma população cada vez mais insegura, discriminada e esquecida, e que se estende ao norte e ao sul da Europa

No recente discurso na reunião de presidentes de bancos centrais em Sintra, Lagarde disparou contra os trabalhadores que procuram aumentos salariais que os protejam da inflação. A presidente do BCE quer responsabilizar os salários pela previsão de persistência da crise inflacionista, em vez de olhar para os cada vez maiores lucros dos grandes grupos económicos e da banca.

Na realidade, o que Christine Lagarde quer é uma justificação para novos aumentos das taxas de juro, o que significa aumentar as transferências para o sistema financeiro, atacando o trabalho e procurando encobrir os lucros escandalosos que a crise está a gerar nos maiores grupos económicos e na banca. O objetivo é criar um ambiente económico recessivo que leve ao aumento do desemprego, aumentando a pressão para a depreciação dos salários, e que condicione investimento em serviços públicos essenciais, como a saúde, educação e segurança social.

O BCE e os bancos centrais em geral não são neutros na economia, só pretensamente agem pelo “bem comum”. A linguagem que usam pode parecer meramente “técnica” e “económica” – mas não é. É linguagem da guerra social em curso.

É fundamental o esforço de alinhamento de forças à esquerda no conflito social que está a ser imposto pela elite europeia neoliberal,  na luta contra a desvalorização salarial, na defesa dos direitos laborais que se compagina com a exigência de medidas para enfrentar a emergência climática e ambiental,  e se alia com os direitos feministas, LGBTQIA+ e antirracistas, colocando nas mobilizações sociais o combate pela paz, contra a escalada militar defendida pelo eixo euro-atlântico,  Em todos estes planos, surgem elementos que indicam a necessidade de desobediência à UE dos Tratados, constituindo um elemento político essencial de resistência, de combate à extrema-direita e ao populismo, de construção de uma alternativa política e social.

Pedro Soares

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