Planos Imperialistas para o Pós-Guerra da Ucrânia  

por Adriano Zilhão

A revista The Economist já leva quase duzentos anos a explicar a superioridade do capitalismo e a traçar novas ideias para o conservar. Procura reflectir, para um público selecto e avisado, o ponto de vista dominante do capital financeiro. Por esse motivo, à propaganda grosseira das televisões e jornais “normalizados” para as massas prefere a análise cuidada.

No seu editorial de 23 de Fevereiro de 2023, a revista reflecte sobre o futuro da Ucrânia.

Abraça, é claro, a linha geral do seu “Ocidente” (também reproduzida pelo grande chefe de guerra António Costa) de que “a Rússia tem de ser derrotada” e, portanto, “a Ucrânia tem de ganhar” – linha tanto mais fácil de manter quanto só se planeia fazer correr sangue ucraniano e russo, de que se considera ainda haver abundantes mananciais.

Convém, no entanto, bem considerados factores como os arsenais nucleares e as políticas de alianças – não ignorando, por exemplo, que a direcção chinesa está bem ciente de que a guerra na Ucrânia é apenas um intróito à ofensiva dos EUA e sua NATO sobre a China – , preparar-se realisticamente para que à actual guerra aberta sobrevenha uma situação de “guerra fria” ou conflito congelado. À semelhança, diz The Economist, da “solução” que há muitas décadas vigora na península da Coreia ou… em Israel.

Com efeito, refere The Economist, o regime ucraniano só se aguentará se for alimentado a longo prazo (“pelo menos uma década”) a milhares de milhões de dólares de armamento e ajuda orçamental ocidentais, transformando-se num “Israel europeu, demasiado indigesto para que uma nova invasão russa possa ter sentido.

Isto tem, é claro, várias consequências.

Uma é a transformação das economias ocidentais” em economias de guerra.

Estando a Ucrânia “a disparar por mês tantos projécteis de artilharia como a América produz num ano”, o Ocidente terá de desviar maciçamente recursos para a produção militar: os países ocidentais têm de aceitar que já não se podem dar ao luxo de manter níveis de produção de armamento de tempos de paz”.

Tais aumentos astronómicos da despesa militar necessariamente importam numa desmontagem maciça das despesas sociais – e numa intensificação drástica, portanto, da guerra social interna contra os trabalhadores, bem como da pilhagem dos recursos minerais do “terceiro mundo”.

Outra consequência é a transformação da Ucrânia, às portas da Rússia, no tal porta-aviões dos EUA/NATO que Israel é às portas do Médio Oriente petrolífero.

A revista prefigura já a divisão de trabalho: como os EUA “têm fornecido a parte de leão do armamento”, caberá à União Europeia aguentar o resto do orçamento do Estado ucraniano (e fazê-lo aderir rapidamente ao clube).

Vai sair caro, avisa a revista. Se a “ajuda” não for à escala da dada a Israel (que é, na verdade, um anexo do orçamento dos EUA), todo o plano cai por terra, pois claudicará na Ucrânia aquilo a que The Economist chama a “democracia” – ou seja o regime do herói Zelensky, em que os partidos políticos, sindicatos não alinhados e jornais de oposição são proibidos e a contratação colectiva é igualmente proibida a não ser em grandes empresas.

A revista faz também uma recomendação curiosa. Sabe-se que, a seguir à Segunda Guerra Mundial, os judeus sobreviventes foram praticamente obrigados pelas grandes potências vencedoras a ir para Israel, apesar de poucos o desejarem – o sionismo sempre foi muito minoritário na população judia da Europa. Recomenda agora The Economist como “vital” quelogo que os combates cessarem, “as mulheres e crianças que se refugiaram no Ocidente não fiquem lá, mas se juntem aos seus homens”. Não soa estranho? Receia-se que número significativo de “mulheres e crianças” não queira voltar? E que “incentivos” se sugerirão para passarem a querer – sendo isso “vital” para a estabilidade do novo porta-aviões da NATO?

A única solução que o imperialismo tem para a guerra é mais guerra. Guerra contra os povos em toda a parte.

Uma vez dessangradas a Rússia e a Ucrânia e transformada a Ucrânia num quartel avançado da NATO, poderá passar a aplicar toda a pressão para que a China escancare enfim os seus mercados aos biliões de dólares de capitais fictícios que procuram engordar ainda mais a “dona Branca” ou esquema Ponzi que são os mercados financeiros mundiais – de passagem, desfazendo definitivamente a propriedade social das empresas estatais estratégicas na China e rachando ao meio o Estado chinês.

Adriano Zilhão

Um pensamento sobre “Planos Imperialistas para o Pós-Guerra da Ucrânia  

  1. Embora acompanhe a caracterização sobre o estado actual dos dois conflitos dos EUA com a Rússia e a China, não me parece que o cenário que virá a seguir seja parecido com o esboçado no texto.
    Do lado europeu já começam a surgir fissuras no unanimismo inicial. Crescentes camadas da população têm vindo a insurgir-se contra a referida “economia de guerra”, contra as sanções e contra os sucessivos aumentos dos envios de material para a Ucrânia. Mesmo na Alemanha, já há sectores de certas elites (minoritários embora) a contestar a rota de colisão do país com a Rússia. O acentuar das restrições ao nível de vida europeu só poderá contribuir para alargar o mal estar dos cidadãos e comunidades que se vão manifestar com cada vez maior intensidade contra essas políticas, a meu ver condenadas ao fracasso a prazo. Acresce que o amigo americano tem alta probabilidade de alterar a sua trajectória, visto o Partido Republicano ter vindo a deixar claro que não lhe interessa a guerra com a Rússia, mas sim com a China, de onde a intenção de concentrar esforços aí e não na Europa.
    Quanto à China, os seus estrategas estão firmemente empenhados em prosseguir as vias do desenvolvimento económico, do comércio internacional e do alargamento pacífico do seu soft power. Sem embargo, prosseguem há muito uma clara corrida aos armamentos, tendo a sua frota de guerra já superado a dos EUA, mesmo com tudo quanto os americanos planeiam hoje. Por outro lado, as crescentes dificuldades económicas e de brutal endividamento do império americano fazem antever a incapacidade de manter as suas 900 bases militares que cercam as suas potências inimigas e mesmo as suas novas armas ainda não passaram a fase de projecto. As crescentes interconexões e alianças da China com muitos parceiros não apenas na zona do Pacífico, mas também em África e A. Latina apontam para o facto de esses muitos países terem um interesse acrescido em aproximar-se muito mais da China que do ocidente.
    Daqui poderemos concluir ser mais provável o fortalecimento do bloco BRICS+ e o correspondente enfraquecimento do ocidente, deixando de ser o centro do mundo.

    Liked by 1 person

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Imagem do Twitter

Está a comentar usando a sua conta Twitter Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.