A luta dos professores e educadores, com greves e fortes mobilizações, a do pessoal de cabine da TAP, entretanto interrompida, as manifestações de reformados por todo o país, as greves já marcadas nos setores da Saúde e do Turismo, nas empresas Novadis, CP, Grupo IP, Matutano, Aptiv (Braga), CTT (Prior Velho), etc., e as manifestações já convocadas para os próximos dias, com destaque para a manifestação nacional convocada pela CGTP-IN para 9 de fevereiro, são o sinal claro da indignação face à perda real de rendimento de trabalhadores e pensionistas. O movimento contra o empobrecimento e a carestia de vida exige solidariedade e mobilização ativa da esquerda.
Os chamados apoios extraordinários não atacaram as causas do empobrecimento, foram insuficientes, quiseram iludir o problema e constituem apenas uma aspirina para um sofrimento cujo fim não se vislumbra. Não é por existirem alguns apoios pontuais que a inflação passa a ser também pontual. Pelo contrário, os preços continuam a aumentar, com particular gravidade nos bens alimentares (18,5%). São precisos aumentos nos salários, nas pensões e nos apoios sociais que, no mínimo, compensem a inflação de 2022 e a que se espera para 2023. Impõe-se o controlo dos preços dos produtos essenciais e a defesa de serviços públicos ao nível das necessidades, como na saúde e educação.
A característica mais marcante da situação atual está espelhada no recente anúncio de que Portugal registou o segundo maior excedente nas contas públicas de toda a União Europeia e a maior subida face ao período anterior. Ou seja, a receita está a crescer muito acima da despesa, à custa das condições de vida da maioria da população. A tendência é para subir ainda mais, impulsionada pelo aumento da receita fiscal e contributiva decorrente da inflação. É socialmente incompreensível que esteja a ser imposta uma perda real nos salários e pensões e o empobrecimento de largas camadas da população para favorecer a ortodoxia neoliberal do défice e da dívida pública, seguida por este Governo com o apoio da direita e da extrema-direita.
Amarrado aos tratados da União Europeia e do Euro, manietado pela integração na NATO que nos arrasta para a guerra que agrava a crise, dependente de um capitalismo com uma estrutura de baixos salários e que insiste nos combustíveis de origem fóssil (caso do gasoduto Celorico – Zamora), o Governo e a sua maioria absoluta agravam as injustiças económicas e sociais, aprofundam o desastre ambiental e abrem caminho ao populismo e à extrema-direita.
O PS vê a maioria absoluta como garantia de continuidade do Governo, enquanto se amplia a instabilidade social que se vive. O Presidente da República também lhe dá suporte institucional, interessado prioritariamente na distribuição dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que se dirige em grande medida para apoio ao capital.
A estratégia do “tiro ao ministro”, com evidências de ser promovida pela direita e extrema-direita, visa retirar o foco das lutas pelo salário e provocar eleições antecipadas, na expetativa de que o resultado seja uma maioria das direitas. Procuram criar a base política de uma aliança para um governo da direita com a extrema-direita. Isto ficou bem explícito nas declarações de um dirigente do Chega, no final do recente Congresso do Iniciativa Liberal (IL), que considerou: “se o IL não quiser chegar a entendimentos com o Chega, vai ficar excluída do acordo com o PSD para governar.” O acordo entre Chega e PSD está em marcha, a exemplo do que já acontece nos Açores, e não é desmentido. O objetivo da direita e extrema-direita é desviar do confronto com a maioria absoluta do PS a crucial luta em defesa das condições de vida da maioria da população.
A luta da esquerda contra a corrupção tem de ser feita com grande firmeza, responsabilizando os interesses do bloco central (PS e PSD) na evasão e fraude fiscal (como nas offshores), na captura de recursos públicos (como recentemente na Câmara de Espinho), nas portas giratórias governo/grupos privados, como acontece com as PPP e setor financeiro. Porém, os casos e casinhos estão a ser um instrumento da direita e extrema-direita, procurando criar a ideia que uns são impolutos e outros um poço de corrupção. Tanto uns como outros fazem parte do sistema que estruturalmente alimenta a corrupção e é nesse plano que têm de ser combatidos.
A esquerda deve comprometer-se com a mobilização de amplos setores da sociedade, com ampla iniciativa própria para a solidariedade e o apoio às lutas de resistência ao empobrecimento. Deve bater-se pela afirmação do confronto com a maioria absoluta no espaço público, nas escolas e empresas, nas lutas dos trabalhadores por salários e direitos, dos pensionistas por aumentos que pelo menos compensem a inflação, dos moradores que exigem acesso à habitação, que reclamam contra a especulação imobiliária, os despejos e os benefícios aos nómadas digitais, dos ambientalistas que exigem medidas para enfrentar a emergência climática e uma transição energética justa, dos movimentos que combatem as discriminações e exigem serviços públicos que respondam às necessidades das populações. Este é o programa político que prepara a esquerda para uma resposta sistémica à recessão económica e às crises, em tempos de maioria absoluta.
Articulação Nacional
Jan. 2023
Concordo com a generalidade. Existe contudo um défice no que respeita a novas formas de organização – como devem ser?- capazes de levar por diante as propostas/orientações aqui avançadas. Penso que os partidos , na sua forma convencional de organização são cada vez menos capazes de o conseguir. E parece-me também necessário desenvolver teoria social que dê horizontes novos e credíveis, a quem sente que estes tempos estão a chegar ao fim.
nelson anjos
GostarGostar