Incentivar, preservar e promover a saúde – a mudança necessária na sociedade e no SNS

por Lurdes Gomes

Vivemos uma era preenchida de avanços tecnológicos tão rápidos e em tantas áreas, que dificilmente algum ser humano conseguirá ter a perceção dessa totalidade simultânea. Tais avanços apenas são possíveis pelo desenvolvimento de conhecimento científico que é, de igual modo, tão rápido e tão vasto em tantas áreas da vida, do humanismo, da sociedade, da cultura, da cosmologia, etc. Apesar disso, continua-se a assistir a défices muito significativos ao nível da adesão, por parte de um grande número populacional, a estilos de vida promotores de saúde.

Não obstante essa parca adesão, é indiscutível que a longevidade humana aumentou muito nas últimas décadas. De acordo com Oliveira et al (2010) “na última metade do século XX, de 1950 até 2000, a esperança de vida em Portugal subiu de 55,8 para 73,3 anos no caso masculino e de 61 para 80,3 anos no caso feminino”. No entanto, não é possível garantir-se que esse aumento quantitativo tenha sido acompanhado de um correspondente incremento qualitativo. Na verdade, sabe-se que muitas pessoas com muita idade têm vidas bastante penosas suportando grande sofrimento associado a condições de doença extremamente precárias. Este cenário é claramente paradoxal face à quantidade de conhecimento disponível favorecedor de longevidade com melhor qualidade de vida.

Nas camadas da população mais jovens, apesar de mais escolarizadas, verifica-se que o interesse pela literacia em saúde é muito limitado. A título de exemplo, de acordo com o Barómetro da Saúde Oral de 2019 publicado pela Ordem dos Médicos Dentistas, apesar de 78,6% da população portuguesa saber que a sua saúde geral pode ser afetada pela sua saúde oral, apesar de 70,3% saber que a ingestão de doces contribui para a cárie dentária, e 65% saber que o consumo de tabaco e de álcool contribuem para o surgimento de cancro oral, continua a haver uma saúde oral precária, e a ingestão excessiva de doces e o consumo de tabaco e álcool continuam a ser epidémicos. O mesmo relatório identifica que 67,7% das crianças com menos de 6 anos nunca visitaram um médico dentista (OMD, 2019). Ou seja, a informação para a saúde embora esteja disponível, o interesse pela mesma e a correspondente mudança para hábitos saudáveis é ainda deficitária. Afinal, qual tem sido o papel das políticas públicas de saúde, nomeadamente no Serviço Nacional de Saúde (SNS), nesta questão?

Se para a população adulta e idosa a mudança de hábitos pode ser mais difícil de se atingir e manter, não deixa de ser essencial promover alterações que combatam ambientes degradados e poluídos, o consumismo e as práticas laborais prejudiciais, incentivando hábitos individuais e coletivos mais saudáveis. Para as crianças (nomeadamente as crianças em idade pré-escolar) a vinculação a hábitos de vida saudáveis devia ser tão natural como aprender a andar e falar.

O ambiente educativo pré-escolar dos infantários constitui-se uma excelente alternativa para colmatar as fragilidades educativas do seio familiar. Para além de carências formativas (específicas na área da psico-educação), as famílias têm falta de tempo disponível para a interação com os filhos. Lamentavelmente, as necessidades de captação de rendimento económico obrigam os pais a jornadas de trabalho extensas e a tempos de transporte dilatados, ficando menos disponíveis para o acompanhamento dos filhos.

Esta temática é de tal forma importante que o Estado português aceitou a proposta do Instituo Politécnico de Santarém na criação, em 2013, da 1ª licenciatura em Atividade Física e Estilos de Vida Saudáveis. Este curso “pretende formar técnicos de atividade física (Lifestyle Coach) com as competências necessárias (…) que visam a promoção da saúde através da mudança de um conjunto de comportamentos associados ao estilo de vida (e.g. atividade física, hábitos alimentares, tabagismo, consumo de álcool e stress). As competências na atividade física para a saúde, na nutrição e no aconselhamento tornam este profissional habilitado para o combate às principais causas das doenças crónicas nas sociedades modernas (e.g. obesidade, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares)” (IPS, 2013).

Porém, a par de políticas públicas de combate ao consumismo e de práticas saudáveis nas atividades laborais, falta colocar o princípio da medicina preventiva como foco da ação do SNS.  A medicina preventiva procura evitar o desenvolvimento de doenças, reduzir o impacto das enfermidades e melhorar a qualidade de vida de pacientes em tratamento. O SNS está atualmente focado na medicina curativa, ou seja, na intervenção após a doença se manifestar, frequentemente devido a problemas de alimentação e de comportamentos. Esta primazia à medicina curativa, para além de aumentar a probabilidade de ocorrência de doenças com o que isso significa de sofrimento associado, aumenta os gastos do SNS e beneficia a indústria farmacêutica e da medicina privada.

O conceito de medicina preventiva surgiu em meados do século XX como um movimento que propõe uma abordagem cuja ideia básica é mudar o foco da prática médica e dos serviços de saúde, que se concentra quase exclusivamente no tratamento das doenças, para uma visão voltada para o incentivo da promoção da saúde, preservando-a.

Na verdade, os custos e o sofrimento associados ao tratamento de doenças são avassaladores. Incentivar, preservar e promover a saúde é muito menos dispendioso e incrementa longevidade e felicidade. Esta é uma mudança necessária no SNS e um caminho que claramente vale a pena.

Lurdes Gomes

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