O “BENCHMARKING” IRLANDÊS

por João Luís

Quando queremos fazer comparações há que ter o cuidado de salientar as particularidades e idiossincrasias do que queremos comparar.

Quando comparamos países utilizamos unidades de medida e agregados comummente aceites pela comunidade científica económica, como o PIB. Este indicador económico por si só não explica tudo, pelo que para termos uma visão mais aproximada do rendimento daquele país temos de analisar em “PPC” paridades de poder de compra, sendo que estamos sempre a falar de uma média, ou seja, o PIB per capita em paridade de poder de compra, que é o quociente entre o PIB em paridade de poder de compra e o total da população.

Mas mesmo assim o valor que possamos obter nas estatísticas internacionais não incorporam outros rendimentos não mesuráveis ou captáveis por aquele agregado. Por exemplo, em 2019, na República da Irlanda (IE) registava um PIB p.c. de €72.260,00 segundo as estatísticas europeias, o segundo maior valor a seguir ao Luxemburgo com €102.200,00.

Em face destes números vieram os liberais da nossa praça reivindicar um sistema fiscal como o da República da Irlanda como se fosse a solução do nosso problema português e quiçá a resolução das fraquezas económicas de todo o mundo. Vejamos em síntese o sistema fiscal da República da Irlanda:

Rendimentos do trabalho:

IRS – 2022RendimentoLimiteSuperior
Solteiro€ 36 80020%40%
Casados 1 rendimento€ 45 800
Casados 2 rendimentos€ 73 600


Por exemplo um solteiro que ganhe €40.000, anuais, tem que entregar ao Estado, 20% de €36.800 e €3.200 a 40%.

Rendimentos sobre sociedades: Taxa de 12,5% com incentivos poderão pagar 6,5%.

Rendimentos de atividades não comerciais e da propriedade: 25%

Imposto sucessório (que já não existe no sistema fiscal português): 33%

Taxas de IVA: 23%, 9%, 5,5% e 4,8%.

Impostos Especiais sobre o consumo, por exemplo o tabaco e bebidas alcoólicas, são o triplo dos de Portugal, sendo que as taxas sobre os produtos energéticos são sensivelmente iguais a Portugal (o custo de abastecer na Irlanda é semelhante a Portugal).

Como se pode ver o quadro fiscal da IE diferencia-se do português essencialmente no imposto sobre o rendimento, ou seja, taxas muito elevadas para os rendimentos sobre as pessoas singulares (rendimentos sobre o trabalho) e uma carga fiscal reduzida para as empresas (rendimento sobre o capital), tudo o resto é semelhante e até em alguns impostos são mais agravados, como são os impostos sobre o consumo e a propriedade, ou a coexistência de outros que já não fazem parte do sistema fiscal português, a meu ver erradamente, como é o
imposto sucessório.

Na ótica liberal o modelo é excelente, pois não tributa o capital que tem a contrapartida da receita das imposições sobre o trabalho e os trabalhadores. O argumento principal é sempre que baixando os impostos sobre as empresas, estas poderiam investir muito mais, com autofinanciamento gerado e com isso criar mais emprego.

Será verdade na Irlanda? O indicador PIB p.c. PPC parece indicar que sim! Mas só que não é assim!

Façamos uma abordagem do quotidiano que pode ser acompanhado pelos jornais irlandeses: aumento da corrupção, aumento do custo de vida, aumento dos sem abrigo e dependências, dificuldades de acesso aos Fundos de Coesão (à semelhança da Ilha da Madeira provocada pela Zona de Franca), com a hiperinflação gerada no PIB), por apresentarem PIB´s elevados e por isso estarem fora dos programas. Note-se que a Irlanda necessita grandes investimentos em infraestruturas como estradas, ferrovia e aeroportos.

Por outro lado, a IE tem o primo americano que se instalou com as GOOGLE, AMAZON, APPLE e outras tech que nem sabemos o nome, mas que estão por trás de criação de software, jogos, suporte técnico e call center para todo o mundo, além de outras companhias americanas que atuam no ramo das commodities, na Europa.

Pergunto, Portugal mesmo que quisesse seguir este modelo tínhamos algumas hipóteses? Claro que não! Não temos o primo americano, o sistema fiscal nunca poderia ir ao encontro do irlandês, a natureza e o volume da população (metade da população de IE) é diferente, os sistemas produtivos são diferentes, por exemplo, na Irlanda um dos setores com mais desenvolvimento é o setor agropecuário, que produzem em regime extensivo.

A IE é uma república com uma história de subjugação e guerras com os Ingleses, ao longo dos séculos. Das várias guerras resultou a divisão da nação da Irlanda em 2 partes: uma a Irlanda do Norte ainda subjugada pelos Ingleses; e outra a República da Irlanda, digna desse nome e Estado livre desde 1922.

Quando Portugal entrou na CEE, a IE assemelhava-se em termos de rendimento a Portugal, era uma sociedade extremamente atrasada, baseada na agropecuária e com rendimentos baixos. O facto é que evolui apesar das contradições que foram expostas atrás, sendo, a meu ver, o modelo implementado irrepetível devido às idiossincrasias do próprio país.

Mas uma questão prevalece, neste texto! Os tais €72.260,00 de PIB, a ser assim parece que a população da República da Irlanda é uma das mais ricas da Europa, visto não encontrar comparação com outros países da Europa, exceto diga-se o Luxemburgo.

De acordo com aquele valor é de supor que os Irlandeses estão podres de ricos!!! Vivem bem, mas não são tudo flores. Para vermos quem ficou a ganhar com este negócio de off-shore legalizado do capitalismo americano, temos de saber qual a repartição do rendimento pelos vários destinatários: Os salários para o trabalho, as rendas, os juros e lucros para o capital.

Voltando às estatísticas, o rendimento médio de um cidadão irlandês é de €26.656,00 (2020). Já estamos longe do tal PIB per capita de €72.260,00 (2019). Note-se estamos a falar de rendimento médio e não de salário, ou seja, todos os rendimentos que um indivíduo tem em média
anualmente.

A prova dos nove é dada pela análise do PIB na ótica do rendimento, conforme ilustra a figura seguinte:

Legenda:
GDP = PIB
Wages and salaries = Salários
Taxes on production and imports less subsidies = Taxas sobre a produção e importação menos
subsídios.
Employers social contributions = contribuições sociais dos empregadores
Gross operating surplus and mixed income = Excedente bruto do rendimento (GOS), inclui
rendas, juros e lucros *.

* O PIB na ótica do rendimento capta como os fatores de produção foram remunerados: O
trabalho com salários; e o capital com rendas, juros e lucros.

Este gráfico explica e confirma o que já foi dito e justifica o resultado do “milagre irlandês”. Conforme se lê facilmente a Irlanda é o país onde a parte do PIB destinada ao capital é maior (cerca de 70%), em contraponto com a parte dos salários (com cerca de 20%), de toda a União Europeia.

A economia irlandesa ao transformar-se num off-shore da economia americana, permitiu um aumento do nível de vida da população, mas como foi evidenciado quem ganhou mais foi o capital. No entanto, como foi dito esta escolha trouxe consequências negativas para a economia irlandesa, devido à hiperinflação do PIB, nomeadamente, não ter acesso aos Fundos de Coesão, que tanto precisa para melhorar as suas infraestruturas.

João Luís

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