por Lurdes Gomes
Grande parte da vida adulta é passada no local de trabalho. Temos vindo a assistir a várias mudanças organizacionais, fruto de um mercado global cada vez mais competitivo, aliado a conjunturas económicas, sociais e sanitárias desfavoráveis que produzem consequências diretas e indiretas na forma como os trabalhadores e as organizações se relacionam, comunicam entre si e gerem as emoções do dia a dia. A pressão sobre os profissionais de saúde tem sido extrema.
O reconhecimento e estudo do desgaste mental em contexto de trabalho, associado à subvalorização do factor emocional humano, tem vindo a ser investigado desde a década de 70, onde surge, pela primeira vez, o termo burnout, que significa literalmente “queimar até à exaustão”[1], reportando-se a “um conjunto de sinais e sintomas associados ao colapso físico e emocional que sobrevêm após a exaustão de toda energia, recursos ou forças disponíveis na realização de tarefas de ‘ajuda’ a outros”[2] .
Assente no pressuposto de que os profissionais são o principal ativo das organizações e que estas deviam desenvolver estratégias que potenciem a qualidade de vida e bem-estar dos seus trabalhadores, um estímulo de comunicação e de verdade que contribuísse para a redução do risco de burnout devia ser exponenciado. Com a redução da sua ocorrência, para além de proteger a saúde dos trabalhadores, poder-se-ia constatar a diminuição do absentismo e da rotatividade induzida por essa síndrome.
As pessoas corporizam, movem, dão vida e sentido a uma organização, não são as suas estruturas físicas, tecnológicas e o capital financeiro, mas sim os seus trabalhadores. Uma gestão emocional deficitária, quer a nível individual como organizacional, muitas tensões relacionais podem ser instaladas conferindo uma cronicidade desgastante nas relações interpessoais e laborais, podendo levar a quadros patológicos dos trabalhadores, até à “morte” da empresa.
A Organização Mundial de Saúde[3] (OMS) apontava a síndrome de burnout como um grave problema nos serviços de saúde e reportava, ainda, ser este um problema transversal a todas as profissões da saúde, com elevados níveis de burnout. Assumia que a queda da produtividade, dificuldade de concentração, diminuição da memória, irritabilidade, instabilidade emocional e exaustão são algumas das manifestações do problema. Posteriormente, na sua 11ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças, efetuada em 2019 e atualizada em 2021, a OMS diminui a carga penosa da síndrome de burnout reduzindo-a a um fenómeno ocupacional não classificado como condição médica. Passou a assumir a sua ocorrência como resultado de stress crónico no local de trabalho, que não foi corretamente gerido.
Maslach[4], assume que a síndrome de burnout é multifatorial e constitui-se por três dimensões: exaustão emocional, despersonalização e baixa realização pessoal. Observa-se frequentemente em pessoas cujas profissões exigem a interação, partilha e ajuda a outras pessoas. Considerando que o ativo humano são todos os indivíduos que fazem parte de uma instituição, independentemente do seu setor de atividade, a cronicidade dos seus elementos vai-se espalhando, como se de metástases se tratasse, secando todos os recetáculos, levando ao vazio.
Os fatores de risco apontados pela OMS para o desenvolvimento do burnout, são considerados em quatro áreas: a organização, o indivíduo, o trabalho e a sociedade. Trigo[5] refere que à organização são apontadas condições como excesso de burocracia, falta de autonomia, normas institucionais rígidas, mudanças organizacionais frequentes como alterações de regras e normas, falta de confiança, respeito e consideração entre os membros de uma equipe, comunicação ineficiente, ambiente físico inadequado e exigência laboral de multitarefa. Relativamente ao indivíduo, acredita-se que as características pessoais podem estar associadas a maiores ou menores índices de burnout, tais como traços de personalidade, lócus de controlo, autoestima, autoconfiança e autoeficácia. No que se reporta ao trabalho são apontadas causas como a sobrecarga, trabalho por turnos, precarização do suporte e relação laboral, baixo nível de controlo nas atividades, baixa participação nas decisões, responsabilidade sobre a vida de outrem e ambiguidade de papéis.
Sobre a dimensão social referem-se como causas contributivas de burnout a carência de suporte social e familiar, baixos salários, valores e normas culturais que podem incrementar o impacto de agentes stressores no desencadeamento de burnout.
A síndrome de burnout é um grave problema de saúde pública tendo em conta as suas consequências na saúde física e mental do trabalhador, bem como as implicações na sua qualidade de vida. Nos profissionais da saúde é um problema que afeta gravemente a saúde física e mental desses profissionais, acarretando consequências a nível individual, organizacional e social.
Torna-se fundamental contribuir para a valorização dos recursos humanos, melhoria do ambiente organizacional e de inovação no desenvolvimento de modelos de gestão que acautelem a dimensão emocional, tendo por objetivo a prevenção da síndrome de burnout nos profissionais de saúde.
A humanização e apreço pelos profissionais de saúde e por todos os profissionais em geral não tem vindo a ser dada uma verdadeira relevância e importância, tornando-se fundamental promover o enriquecimento, o autoconhecimento, autoestima, motivação dos profissionais, em especial os da saúde, a fim de melhorar o seu desempenho pessoal e profissional no seu papel de cuidadores.
Espera-se que os administradores nas organizações de saúde tenham nas suas perspetivas a melhoria da qualidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS), incluindo os profissionais de saúde, bem como utentes internos e externos.
[1] Freudenberger, H. (1974). Staff Burn-Out. Journal of Social Issues.
[2] Marôco, J. et al. (2016). Burnout em profissionais de saúde portugueses: uma análise a nível nacional.Acta Médica Portuguesa.
[3] Organização Mundial de Saúde – OMS. (1994). Guidelines for the primary prevention of mental, neurological and psychosocial.
[4] Maslach, C. et al. (1997). The maslach inventory manual (3ª ed). Consulting Psychologists Press.
[5] Trigo, T. et al. (2007). Síndrome de burnout ou estafa profissional e os transtornos psiquiátricos.
