Quando falamos de Ecossocialismo não falamos de Eco + Socialismo, falamos de uma coisa completamente nova. Este é um daqueles casos em que 1+1 não são 2, são 4 ou 5. Claro que tem uma raiz marxista, um marxismo livre das histórias do produtivismo. Realmente, como foi dito anteriormente neste Fórum, não queremos repetir os erros do passado. Mas o Ecossocialismo tem outras origens. Tem uma origem inspirada na ecologia social de raiz anarquista e na ecologia profunda de Arne Næss.
O socialismo e a ecologia foram pela primeira vez somados na mesma equação por volta da década de 70 e só na década de 80 é que se mencionou pela primeira vez a palavra Ecossocialismo, com os verdes alemães. Foi aí que alguém começou a somar as duas ideias. Em 2001 temos o primeiro Manifesto Ecossocialista escrito em coautoria por Joel Kovel e Michael Löwy que participa neste Fórum. Michael Löwy esteve na fundação, em Paris, da Rede Ecossocialista Internacional, em 2007 É uma das pessoas que está na origem deste pensamento, na acumulação organizada deste pensamento.


O foco do Ecossocialismo está, não na ecologia propriamente, mas na crise ambiental. Não exatamente em muitas coisas do marxismo, mas sim na acumulação capitalista. Nós entendemos que a acumulação capitalista é a grande causadora da crise ambiental. E são os nossos dois grandes inimigos: a acumulação capitalista e o pensamento capitalista que busca o crescimento infinito num planeta de recursos finitos. Aliás, esta palavra “recursos” tentamos que seja retirada de uso, porque “recursos” implica que alguma coisa se pode usar para ganhar dinheiro e quando se diz “recursos humanos”, por exemplo, nem as pessoas são recursos, nem os bens da natureza são recursos. Não são existências para ganhar dinheiro. São para usarmos consoante as nossas necessidades, mas com respeito.
Este nosso pensamento é incompatível, portanto, com a lógica de crescimento expansionista e interminável do capitalismo. É comum, num discurso adquirido por todos nós, muitas vezes falarmos em crescimento, em desenvolvimento e noutros chavões que nos habituamos a usar porque formataram as nossas cabeças com um pensamento capitalista.
Acrescente-se então, o socialismo que não é ecológico, o antigo socialismo que existiu no «socialismo real» ou o socialismo que podemos associar a experiências de há uns anos atrás, para quem se lembra, é um impasse para o ambiente. Nãos traz respostas, como é produtivista, ele próprio traz problemas para o planeta. E existem muitos movimentos ecológicos e ambientalistas, mas perdem o foco, têm dificuldade em entender que podemos resolver um problema aqui ou outro acolá, mas isto é como ter uma manta pequena. Tapamos os pés deixando descoberta outra parte do corpo. Quando conseguimos resolver um problema ambiental, para quem anda na luta ambiental, para quem está na luta ambiental, nos movimentos ambientais, percebemos rapidamente que isto não tem solução assim. Porque o problema não está no remendo. A questão está mesmo no sistema. O sistema tem que crescer, tem que ganhar dinheiro, tem que acumular riqueza, A forma de pensar e a forma de estar do sistema é que faz com que existam problemas, inúmeros buraquinhos. Nós tapamos um buraco, corrigimos um problema, ali ao lado na esquina abre outro porque o capitalismo não para, quer crescer, e tem que prosperar por algum lado.

As nossas cores, se repararem, em todos os símbolos que em volta do Ecossocialismo se criam, são o vermelho e o verde. O vermelho é a crítica marxista ao capital, a busca da sociedade alternativa. O verde é a crítica ecologista ao produtivismo. Não é como algumas pessoas às vezes erradamente pensam que o verde é o ambiente. Não, nós temos uma crítica dura e cerrada ao produtivismo e portanto o verde representa a crítica ecológica.
Nós somos diferentes e aqui é que afirmo, então, que não nos ficamos pela soma Eco com Socialismo porque nós somos diferentes das variantes produtivistas do século XX, das correntes ecológicas do sistema capitalista, porque temos muitas correntes ecológicas que aceitam e acham que isso é possível, coexistir aquilo a que chamam “sustentabilidade” e o “desenvolvimento sustentável”, termos irritantes que tiram o foco da questão que está mesmo no capitalismo. Essas expressões retiram a clareza, dizem que «é possível existir capitalismo e continuarmos a crescer de uma forma sustentável», quando já percebemos que estamos em rotura, quando percebemos que a natureza está a vingar-se de nós próprios e estamos a caminhar para um ponto de não retorno.
Por conseguinte, este novo pensamento, que não é simplesmente Eco + Socialismo, visa a alteração das relações de produção, do aparelho produtivo e dos modelos dominantes de consumo. Três vertentes que são importantes. Entendemos que deve existir racionalidade ecológica, igualdade social e que as coisas tenham de ser avaliadas, produzidas e escolhidas pelo seu valor de uso e não pelo valor de troca. Isto implica uma tomada de decisão coletiva nas escolhas.
A importância de uma formação cidadã socioambiental para garantir que as escolhas de grupo não são más opções, pois sem formação as pessoas não vão escolher instintivamente o que é mais correto, exige maior preparação. O controlo dos meios de produção, o planeamento democrático, participativo e ecológico, isto é, não um planeamento feito por um Estado dirigista, mas um planeamento que vem da base, das necessidades de cada um. A produção e consumo, no nosso entender, devem ser decididos de forma participativa, em pé de igualdade com todos os cidadãos e deve começar na base, na rua, na freguesia e assim até se chegar às decisões maiores.
Logo, pelo explanado, entende-se que em certos momentos somos decrescentistas, achamos que não é preciso consumir tanto, não é preciso produzir tanto. As pessoas tenderão a viver com aquilo que realmente necessitam e não com o que a sociedade de consumo lhes impinge como falsas necessidades.
Entendemos que as pessoas, mesmo aquelas que não são integradas nas equipas de trabalho, deverão ter uma renda que lhes garanta a subsistência. Esta questão por vezes é levantada por certos grupos, nem todos eles ecossocialistas, mas que nós também partilhamos: as pessoas deverão ter uma garantia de rendimento de vida básico mesmo que não estejam integradas nas cadeias de produção.
Perguntar-se-ão; como é que os ecossocialistas imaginam como serão as fábricas, quem deterá o poder, a faculdade de decisão, a propriedade será privada, será pública? Como será? Nisto Michael Löwy fala de economia participativa, fala das três formas que serão possíveis: usar a pública, ao mesmo tempo que a comunitária e a cooperativa. Cooperativa, sim, pensada exatamente como uma cooperativa e não como certas cooperativas que foram feitas durante muitos anos de uma forma capitalista, dirigidas de cima para baixo, uma direção, um sistema todo organizado, em que no fundo o cooperante quase não era detentor de direitos, a não ser que tomasse meramente algumas decisões. Pessoalmente, com vinte anos de trabalho com cooperativas, sinto essa diferença entre algumas delas, quando operam no sistema horizontal, da base, nas decisões da base.
Sílvia Carreira
Porto 9.out.2021