Os incêndios rurais reaparecem a cada Verão, mas agora começam mais cedo e acabam mais tarde…as tais alterações climáticas.
De uma situação em que a maior parte do orçamento era destinado ao combate, nos últimos anos (especialmente após o ano trágico de 2017) a maior atenção para a prevenção tem vindo a equilibrar estas contas. Os Planos de Transformação da Paisagem, aprovados em 2020, e que visam alterar completamente a paisagem rural substituindo uma floresta não gerida e com primazia para a as monoculturas de pinheiro bravo e eucalipto. O seu objetivo alicerça-se numa intervenção em grande escala para uma paisagem biodiversa e multifuncional e propiciadora dos serviços de ecossistemas. Isto implica a criação de áreas integradas de gestão da paisagem (AIGP), em zonas de elevado risco de incêndio. O processo está a avançar a bom ritmo e já foram aprovadas 47 destas áreas (média de cada uma: 2.000 ha), o que de facto é notável. Apesar de tudo, continua a estar muito desvalorizado o papel das Associações Florestais e de Associações de Baldios como instrumentos insubstituíveis para a correta gestão florestal.
Mas a reconversão da paisagem vai demorar tempo, muito tempo mesmo. Assim, não se pode descurar o combate e os meios humanos envolvidos, nem as populações expostas ao perigo dos incêndios. E eu queria mesmo era falar de pessoas! Para começar falemos nos bombeiros: no país existem 469 corpos de bombeiros, com um efetivo nacional de mais de 30 mil bombeiros que têm um papel determinante no combate, sendo incompreensível a reduzida aposta na sua formação e qualificação, o que é essencial não só para aumentar a eficácia da sua ação como para diminuir a sua exposição e os consequentes acidentes pessoais que se verificam ano após ano. O mesmo acontece com os Sapadores Florestais. São cerca de 2.000, existem há 22 anos e são os únicos operacionais do Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais (DECIR) que atuam durante todo o ano na floresta, contribuindo para que haja uma eficaz gestão de combustíveis, instrumento essencial na prevenção de incêndios rurais. A sua profissão é muito exigente em termos de condição física e de exposição ao perigo, mas não têm sequer uma carreira e estatuto profissional que regulamente a sua profissão ou que lhes seja atribuído um simples subsídio de risco. Daí a greve recente. O mesmo acontece com a precariedade de muitos agentes da Proteção Civil, nomeadamente dos envolvidos nas salas de operações. Na verdade, é com esta gente mal paga e deficientemente formada em que assenta o DECIR, ou seja, o dispositivo de combate aos incêndios.
E as populações residentes? Como defender as gentes que labutam num meio cada vez mais desertificado (atente-se aos censos de 2021 agora divulgados)? Na verdade, foram criados em 2017 (mais uma vez o efeito do drama deste ano…é sempre preciso haver uma tragédia que acorde o Governo…) os Programas “Aldeia Segura” e “Pessoas Seguras”, visando “prevenir e mitigar os efeitos dos incêndios rurais por via de ações de sensibilização para a prevenção de comportamentos de risco, divulgação de medidas de autoproteção e realização de simulacros de planos de evacuação, em articulação com as autarquias locais.” Isto deveria prever a elaboração de planos de evacuação em cada aglomerado em zonas de risco de incêndio, criação de locais de refúgio e abrigo, formação e sensibilização das populações, designação dum elemento responsável, coordenação com as autarquias…. mas as aldeias abrangidas têm sido escassas e até ficam frequentemente por realizar as faixas de gestão de combustível próximas dos aglomerados populacionais potenciando o perigo. E não há sequer uma monitorização destes programas.
A floresta tem vida, tem gente que a defende, tem gente que utiliza os seus recursos (cada vez menos é verdade…). A floresta pode-se tornar num braseiro ou propiciar todo um leque de serviços de ecossistema. Sem gente, não há floresta, não há biodiversidade, proteção do solo, da água…
* Rui Cortes

Um pensamento sobre “A floresta arde – e tem gente lá dentro! *”