Confiança em alguém é aquilo que nos faz pensar e sentir que aquilo que esse alguém dirá e fará no futuro corresponde àquilo que nos disse e diz que diria e faria.
O curioso conceito de “confiança política”, ultimamente em voga, só deveria, forçosamente, poder significar: aquilo que nos faz pensar e sentir que aquilo que alguém dirá e fará no futuro, no terreno da política, corresponde àquilo que nos disse e diz que diria e faria, nesse mesmo terreno.
Na vida como na política, confiança é, na verdade, um conceito fundamental.
Em política, ele prende-se intimamente com outro conceito: o de mandato.
O mandato resulta da inevitabilidade de, em muitas circunstâncias, os muitos terem de delegar em poucos. Mandato é, assim, o que os muitos, os eleitores, os representados, os militantes, as “bases”, confiam aos seus eleitos, representantes, dirigentes, mandatários – que os primeiros escolhem e nomeiam em ocasiões específicas (reuniões, congressos).
Escolhem e nomeiam, sempre cientes de que, se esses eleitos ou representantes escolhidos não se mostrarem, na prática, à altura da confiança depositada, ou mesmo a traírem, se lhes poderá retirar o mandato na próxima ocasião.
Estes princípios foram constituintes do movimento operário, sindical e democrático ao longo dos séculos.
As trabalhadoras e os trabalhadores, que são os muitos e que, sendo muito explorados, suportam longos e pesados horários de trabalho, findo os quais têm de tratar de filhos, dos pais ou de si próprios, são obrigados, em circunstâncias “normais”, a delegar parte do exercício da sua vontade sindical, política, etc. em delegados ou eleitos.
Escolhem-nos segundo os critérios que lhes parecem adequados e conferem-lhes um mandato, mais ou menos explícito. Quanto mais explícito, melhor.
Inevitavelmente, alguns desses eleitos ou delegados revelam-se ambiciosos, ineptos, preguiçosos ou até trafulhas, trocando o mandato recebido pelas boas graças do patrão ou do governo.
Em tal caso, é natural e desejável que, o mais cedo possível, tais delegados, eleitos ou responsáveis sindicais ou políticos deixem de ter a confiança sindical ou política de quem os elegeu.
Também é certo que, como quem manda nisto tudo não anda a ver passar os comboios, é frequente que os governantes, ou os próprios burocratas que com eles se congraçam, ciosos de vantagens adquiridas, tenham a preocupação de criar mecanismos que tornem cada vez mais difícil que a perda de confiança política ou sindical dos eleitores nos eleitos, dos delegantes nos delegados, se traduza no afastamento desses eleitos ou delegados e na escolha de outros.
Tudo isto é o jogo da política.
Ultimamente defrontamo-nos, no entanto, com uma curiosa inovação e inversão de conceitos.
Conceda-se: é indiscutível que, individualmente, cada um de nós, mesmo dentro duma mesma organização, tem mais confiança numa do que noutro – em política, confiança política.
É um problema individual, que cada um gere como entender. Por exemplo, evitando certas pessoas e procurando outras.
Agora que eleitos, mandatários, representantes declarem, tirem ou ponham a sua confiança ou desconfiança política nos que são seus eleitores, mandantes e representados e daí retirem consequências políticas sobre o que a esses militantes é ou não autorizado – eis uma extraordinária inovação.
A única preocupação de quem exerce um mandato há-de ser certificar-se de que continua a ter a confiança política de quem o mandatou.
Já a confiança que, individualmente (ou até colectivamente), um mandatário ou representante tenha neste ou naquele seu eleitor, neste ou naquele seu representado, é problema seu. Não interessa a ninguém e não lhe confere nenhum direito.
Convém recordar que o único estatuto que é soberano e não delegado é o estatuto do membro, aderente, militante, eleitor – sempre que no gozo pleno dos seus direitos e não objecto de processo de exclusão, suspensão ou outra sanção estatutariamente prevista e legitimada.
O estatuto do representante, eleito, mandatado, é, em contrapartida, derivado e precário: sujeito, esse sim, às flutuações da confiança política de quem o elegeu e mandatou.
O contrário é um absurdo e um abuso sem nome.
* Adriano Zilhão

Muito bem. Encaixa no “caso Alcobaça”.
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