Todos se lembrarão de que o primeiro estado de emergência incluía medidas de restrição grave do direito à greve, que serviram para esmagar as greves dos estivadores e dos enfermeiros.
Entretanto, o governo decidiu que já não é preciso decretar o estado de emergência para proibir greves.
O sindicato dos inspectores do SEF marcou um ciclo de greves para o mês de Junho, para protestar contra a intenção do Governo “de extinguir o SEF”.
O SEF celebrizou-se pelas piores razões. A sua função policial nas fronteiras consiste essencialmente em aplicar a política da União Europeia contra os imigrantes de países pobres. O governo pretende continuar a fazer a mesma política, mas, aparentemente, redistribuindo a função repressiva pelas outras polícias. Para os trabalhadores portugueses, como para os imigrantes sujeitos à política repressiva da UE, nada muda. Saber qual o chefe da polícia que vai mandar no cassetete é indiferente.
É assim a política burguesa: quando há um “azar”, é preciso parecer que se faz alguma coisa, a ver se os jornais e comentadores se interessam por outra coisa e deixam de chatear.
No entanto, o que o sindicato dos inspectores da SEF, funcionários públicos assalariados, convocou não foi um debate sobre a extinção ou não do SEF. Foi uma greve, direito fundamental de qualquer trabalhador.
O governo reagiu de imediato – decretando a requisição civil.
Os argumentos: “preservação da segurança interna e o adequado controlo da situação pandémica”. Justificações completamente absurdas. A greve obrigaria, sem dúvida, a anular voos nas respectivas faixas horárias, por não se poderem cumprir as normas de controlo sanitário e de “segurança” à entrada no país. Com os voos anulados, ninguém entraria. A situação sanitária não se alteraria.
Mas o governo lá dá, então, a verdadeira razão para a medida: a greve “constituiria um efeito dissuasor da vinda de turistas estrangeiros, pondo em causa a possibilidade de recuperação económica por via do turismo, impedindo a esperada retoma deste setor.”
Portanto: o governo proíbe uma greve porque ela tem efeitos económicos nocivos “para o país”, ou melhor, para um sector.
É verdade que, quando os trabalhadores deixam de trabalhar, nota-se.
Imagine-se, em contrapartida, um Ricardo Salgado, um Luís Filipe Vieira, um Moniz da Maia, todos os grandes homens e investidores, “entrarem em greve”, deixarem de se apresentar ao serviço, sabe-se lá, por causa de uma estada atrás de grades. O que aconteceria? Nada. A produção e a economia continuariam sem qualquer perturbação
É uma diferença importante.
É o próprio de qualquer greve que, quando os trabalhadores não trabalham, não produzem. E, portanto, o patrão ganha menos do que ganharia sem greve.
Então, o patrão é obrigado a fazer contas de cabeça: a) o melhor é ceder, que sempre acabo por perder menos; b) mas, se cedo, eles vão-se sentir fortes, e, para a próxima, ainda é pior; c) não cedo, arrisco perder uns clientes; mas, à fome, eles cedem primeiro; d) tento subornar uns fura-greves e despeço os “cabecilhas”; e) falo com o ministro e com o chefe da polícia. E por aí fora.
São as típicas reflexões estratégicas próprias da guerra de classes.
Ao argumentar com os efeitos económicos da greve para proibir a greve, pouco importa qual, o governo outorga-se carta branca para, na prática, abolir o direito à greve. Greve sim, quando muito, se não tiver efeito nenhum – e, por conseguinte, não servir para nada.
E, a respeito do atentado brutal ao direito à greve encerrado na requisição civil do governo, que disse a direcção do Bloco, no esquerda.net, no bloco.org ou na comunicação social?
Salvo erro ou inatenção, nada.
Nota: Entretanto, hoje, dia 2 de Junho de 2021, o Supremo Tribunal Administrativo deu razão à providência cautelar do sindicato dos inspectores do SEF contra a requisição civil do governo. O governo apelou.
* Adriano Zilhão
