Pode ler-se nos almanaques. Abril vem do latim Aperire, abrir: é o mês em que abrem os botões. Com o 25 de abril de 1974, pontuado por vistosos cravos, abriu-se um ciclo de esperança para os portugueses. A sucessão de desfavores que a maioria de portugueses vivia já vinha de longe, o que a partir a partir do século XIX resultou em grandes levas de emigração ou nas lutas operárias que a I República reprimia.
Já viajámos de ilhas em ilhas / Já mordemos fruta ao relento / Repartindo mágoas / Por tudo que é vento. A bela canção “O que há de ser de nós”, de Sérgio Godinho e Ivan Lins, reverbera neste momento.
O 25 de Abril é um indelével património para as gerações que o viveram, determinadas em preservar a democracia alcançada, com expetativas e empenho na construção de uma sociedade fundamentada na equidade. Porém, enquanto comemoramos o 25 de Abril, temos de enfrentar a desoladora realidade de escolhos terem destruído os mais legítimos planos. 47 anos passados, sabemos das dificuldades que muitas pessoas enfrentam nas suas vidas. Há um despudor que se tem de enfrentar: a pobreza não foi eliminada.
Foi precisamente agora, em abril de 2021, que a Fundação Francisco Manuel dos Santos lançou um estudo que é o colocar de um dedo na ferida. Em “Faces da pobreza em Portugal”, trabalho de uma equipa de investigadores sob coordenação de Fernando Diogo, logo na introdução é referido que «De acordo com os dados do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR), realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), 17,2% da população em Portugal estava em risco de pobreza em 2018 (ICOR de 2019,dados de 2018)». Está-se portanto a abordar indicadores e a situação respeitantes a quase um quinto da população portuguesa.
Sendo os últimos dados apresentados relativos a 2018, menciona-se ainda, como um alerta, «sendo de esperar que a pandemia de Covid-19 tenha impacto nestes valores e tendências». É uma das conclusões dos investigadores que «não basta ter um emprego seguro para não ser pobre. A conjugação entre os baixos rendimentos do trabalho e a estrutura familiar (famílias com alguma dimensão e tipologia diversa bem como com desemprego familiar), num contexto de fraqueza dos apoios sociais, explica que se possa ser um trabalhador contratualmente estável e, ao mesmo tempo, ser-se pobre.»
Nas conclusões do estudo está também: «A investigação que realizamos sobre a pobreza permitiu confirmar a natureza estrutural deste fenómeno em Portugal, com uma parte expressiva da população a manter-se nessa situação ao longo de anos.»
Este estudo, que deve ser lido na íntegra e com a devida atenção, é uma ferramenta que nos leva ao que terá de ser o foco de qualquer programa político escorreito e comprometido de facto com a vida das pessoas.
Agora que se aproxima a XII Convenção do Bloco de Esquerda, é justo aguardar que dali saiam princípios diretores firmes no caminho da erradicação da pobreza, isso inerente à intenção do estabelecer da igualdade social. Não se espera, de todo, do Bloco de Esquerda a acídia, mas sim, e naturalmente, um constante começar de novo. As pessoas nas suas esperanças e nas suas lutas precisam de um Bloco de Esquerda que não viva num loop discursivo e de personagens, modo que levaria à estagnação. São conhecidos os vários desafios políticos que se avizinham e a Convenção tem de nos deixar fortalecidas/os, preparadas/os para eles, pois são pleitos que não se podem perder.
* Alberto Guimarães

Notas:
O estudo “Faces da pobreza em Portugal” está disponível em www.ffms.pt
A ilustração incluída é um desenho de Stuart Carvalhais, publicado em 1924, no jornal A Batalha. Retirado de Surgindo vem ao longe a nova aurora… Para a história do diário sindicalista A BATALHA/1919-1927; Livraria Bertrand, Lisboa, 1977.
Foto de topo – Manifestação de mulheres contra os salários em atraso (Arquivo UMAR)
O texto do Alberto faz todo o sentido e é de grande oportunidade, inclusive pelas referências onde se baseia. Acrescentaria tb mais um detalhe ao panorama sombrio e que faz toda a diferença. Uma coisa é avaliar e quantificar a pobreza no quadro de determinadas condições sócio-económicas, mas outra é fazer esse exercício pondo de lado a almofada dos apoios sociais. Se ousarmos olhar por esse prisma veremos que a chaga salta para o dobro ou mesmo mais.
Creio que este segundo retrato é bem mais exacto e conforme aos factos.
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