“(…) Reconstruir as razões do antagonismo, assumir a utopia enquanto horizonte, como critério para as decisões de hoje e não como destino ou fé, e relativizar a «verdade de partido» sujeitando-a à experimentação social – estas são as hipóteses de uma saída pela esquerda.
Não é por acaso que esta hipótese não é explicitamente assumida por nenhum dirigente partidário actual. É uma hipótese muito exigente nas suas consequências e mais ainda no pressuposto: exige um partido capaz de questionar, um partido sem medo de si mesmo. O problema não é tanto o «centralismo democrático» – que tem costas tão largas quantas as versões em que se aplicou. O problema é a «cultura de empresa», a promoção continuada da mediocridade e da falsa modéstia, acompanhada da sangria dos que ainda quiseram e conquistaram o direito a viver sem partido-providência. O melhor que o PCP hoje tem não é o seu aparelho, por muito que quaisquer mudanças dele dependam. São os milhares de militantes da sua periferia que deixaram de ir às reuniões, mas lá vão aguentando associações, sindicatos, comissões de trabalhadores ou áreas de trabalho social autárquico. O partido que ainda vive é o partido que não manda.
Não haverá nunca saída sincera pela esquerda sem que o PCP volte a ser um partido de activistas e não um hall de funcionários de partido, sindicatos ou autarquias. É porque ele é um partido de profissionais dependentes que o fantasma esgrimido pela velha geração, de um novo «desvio de direita» é, também ele, um desenlace possível para a crise. Basta olhar para Leste…
Miguel Portas (2002) “E o resto é paisagem”. Publicações Dom Quixote. (pgs. 129-130)
Miguel Portas – 1 de Maio de 1958 | 24 de Abril de 2012