As mais recentes iniciativas da UE e do governo (como a “Estratégia do Prado ao Prato”) procuram responder a problemas reais, mas não configuram uma nova visão para a agricultura. As opções da UE e do governo apontam para um mundo rural sem lugar para a pequena propriedade agrícola e/ou florestal.
Na lógica das políticas propostas e num quadro de crescentes exigências ambientais, apenas sobreviverá o complexo agroindustrial, a agricultura e a silvicultura empresarial competitiva. Os “mais pequenos” não têm respostas nem quem os ajude e, neste cenário, irão desaparecer. Os acordos de livre comércio internacional acentuam a dimensão global desta estratégia tendencialmente monopolista.
O governo continua a privilegiar a canalização dos fundos comunitários para os grandes proprietários do Sul e para a agricultura tecnologicamente mais avançada. Ao discurso governamental de apoio à pequena agricultura não corresponde uma prática efetiva.
A saída para a defesa da pequena agricultura terá de assentar, primeiro, na organização e mobilização dos pequenos agricultores com base nas suas organizações e associações locais, a nível nacional, na Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e, a nível internacional, em organizações como a Via Campesina que procura organizar pequenos e médios produtores, tendo em vista a soberania alimentar e a defendê-los perante os interesses das grandes companhias que praticam uma agricultura super intensiva e ambientalmente insustentável.
Porém, é imprescindível a aliança com outras organizações de trabalhadores dos vários setores, de modo a reforçar a sua capacidade de reivindicação política, contando com o apoio e a ação de movimentos sociais e de partidos como o Bloco de Esquerda.
O Bloco de Esquerda deverá bater-se por:
- Desenvolvimento da agroecologia: substituição dos pesticidas e outros químicos de síntese por dinâmicas ecológicas, para a conservação da biodiversidade, dos recursos hídricos e dos próprios solos;
- Consideração do papel insubstituível da agricultura familiar, atendendo às suas especificidades próprias e às exigências da sua manutenção e desenvolvimento;
- Garantia do princípio do interesse público, ou seja, do proveito de toda a sociedade sobre os bens da natureza, água e biodiversidade e remuneração dos serviços de ecossistema;
- Proteção e desenvolvimento dos mercados locais, promovendo circuitos curtos de produtos agroalimentares, garantindo uma política de preços em conformidade com os custos de produção, de modo a garantir um nível de vida adequado aos produtores e o acesso a alimentos pelos consumidores;
- Rejeição da importação de produtos agrícolas a partir de países que não assegurem o cumprimento de normas ambientais, laborais e sociais justas;
- Regulamentação urgente da Lei n.º 34/2019 de 22 de maio, para promoção do consumo de produtos agrícolas locais, oriundos da pequena agricultura e/ou biológicos, na rede de cantinas públicas;
- Revisão do Código da Contratação Pública (CCP) para efetiva proteção da produção agrícola local e familiar, no acesso aos concursos de fornecimentos ao Estado;
- Reforço do papel do Estado na regulação da produção, de modo a concretizar o conceito de soberania alimentar.
- Estabelecimento de um programa de apoio às pequenas e médias agroindústrias instaladas ou a instalar em todos as regiões do país, nomeadamente as que assumam a forma de cooperativa, potencializando os recursos dos territórios;
- Reconhecimento legal do “Direito Humano a uma Alimentação e Nutrição Adequadas”;
- Regulação pelo Estado dos stocks de alimentos essenciais, regulando o mercado, prevenindo vulnerabilidades das cadeias logísticas e garantindo o acesso de alimentos saudáveis à população;
- Garantia do livre uso das sementes tradicionais, nomeadamente das variedades regionais, como forma de assegurar a biodiversidade das espécies;
- Garantir a preservação das raças autóctones,
- Aprovação de uma “Lei da Cadeia Alimentar” como ferramenta para acabar contra os abusos contra os agricultores e os criadores de gado e para remunerar justamente os produtores;
- Proibição e forte penalização do dumping imposto aos produtores pelas grandes cadeias de distribuição;
- Associação dos apoios aos agricultores à garantia dos direitos dos trabalhadores;
- Enquadramento legal de Organizações de produtores (OPs) Multiproduto
- Criação de centrais agregadoras da produção agrícola proveniente de pequenas explorações;
- Simplificação da fiscalidade aplicável aos pequenos produtores, facilitando o comércio direto;
- Revitalização dos serviços de extensão, destinados aos pequenos agricultores, especialmente aos jovens agricultores, proporcionando conhecimentos científicos, práticas agrícolas rentáveis e amigas do ambiente, capacidade de gestão e associativismo;
- Dotação dos Bancos de Germoplasma Vegetal e Animal de recursos suficientes;
- Revisão da PAC tendo em conta as especificidades das diversas agriculturas no País.
* Alexandra Ricardo, Ana Sofia Ligeiro, Carlos Matias, Manuel Carlos Silva e Rui Cortes.




