O rendimento básico universal não é um luxo de país rico, é uma necessidade num país onde ainda há pobres

Está a decorrer uma iniciativa de cidadania europeia para introduzir os rendimentos básicos incondicionais (RBI) em toda a União Europeia, enquanto vou sabendo da situação de um conjunto de pessoas que estariam agora melhor se pudessem contar com esta contribuição por parte do Estado português.

O rendimento incondicional é mesmo isso, incondicional. Não depende dos rendimentos, do património, da carreira contributiva ou de ter familiares a cargo. O objetivo do RBI é proporcionar um nível de vida digno, que permita a cada individuo viver acima do risco de pobreza material, que permita participar ativamente na sociedade. Deste nível de vida depende a dignidade, a liberdade e a democracia, de todos.

O contexto atual obriga a ponderar sobre o dever do Estado de prover segurança e bem-estar a todos, este rendimento não pode ficar à espera de uma prosperidade económica que o país nunca terá. Se o objetivo é promover o bem-estar dos cidadãos, então a erradicação da pobreza tem de ser real, não vale a pena perpetuar a multiplicar os intermediários entre o dinheiro público e o cidadão. A coesão social não acontecerá sem a redistribuição cabal de rendimentos.

Esta não é uma medida fundamental para quem tem o seu rendimento garantido, para quem tem património que pode alienar em caso de necessidade, para quem tem uma rede de apoio familiar, para quem tem segundas e terceiras linhas a assegurar o seu bem-estar no caso de tudo o resto falhar.

Esta é uma medida fundamental para todos os que virem o seu rendimento a desaparecer, para as famílias que não se conseguem furtar à pobreza, para os trabalhadores que, mantendo um trabalho a tempo inteiro, continuam sem conseguir sair da espiral alienante dos rendimentos baixos e das fracas condições de habitação, de mobilidade, de alimentação, de educação. A certeza de ter um rendimento ao final do mês que garanta alimentação e habitação digna mitigaria a angústia de muitos cidadãos.

Um rendimento fixo para todos, sem burocracia, sem condições intermináveis de acesso, permitirá o desmantelamento do estigma a que fica sujeito quem tem de recorrer aos vários recursos da segurança social. Desempregados, trabalhadores temporários, trabalhadores errantes, jovens, velhos, imigrantes, trabalhadores com relações abusivas de trabalho, cidadãos com relações familiares abusivas, e outros cidadãos vulneráveis que decerto esqueci, precisam de um rendimento incondicional para encontrar um chão onde fincar o pé, e esse chão tem que ser a garantia do pão, da saúde e da habitação.

Mas não é só aos muito pobres que interessa este rendimento, interessa a todos a possibilidade de diversificar as suas tarefas diárias, de reduzir o seu horário de trabalho, ou sentir mais segurança na procura de um trabalho melhor.

É plausível que proporcionar este rendimento aos cidadãos estanque a sensação crescente de insegurança, que contribua para esbater o rancor que se foi instalando entre os trabalhadores remunerados, os trabalhadores não remunerados e os não trabalhadores. É possível que este rendimento permanente, individual, incondicional e universal nos deixe mais perto de uma sociedade que oferece igualdade de oportunidade aos seus.

Em última análise, os argumentos que refutam a possibilidade de implementação de um rendimento básico universal assentam sempre no trabalho (remunerado) como razão fundamental da existência digna do ser humano e na impreteribilidade de encarar o cidadão como peça de uma engrenagem do sistema produtivo.

É um disparate que ricos beneficiem deste rendimento? Ajuste-se a tributação.

Vai haver dificuldades no recrutamento de trabalhadores para funções mal remuneradas? Sim, é provável que auferir um rendimento básico incondicional permita aos trabalhadores negociar verdadeiramente as suas condições de trabalho e de remuneração. Também é provável que a pirâmide remuneratória tenha de refletir o valor do trabalho indexado à sua relevância para a sociedade, à sua perigosidade e ao desgaste físico que provoca. 

As pessoas vão dedicar-se ao ócio. Sim. Mas também continuarão a trabalhar por gosto, para ter uma vida melhor, a trabalhar por estatuto social, vão dedicar-se a estudar mais tempo ou vão descansar de uma vida de trabalho . Não será este rendimento a origem de uma vida de alienação, a falta de rendimentos já a promove há muito. 

Como é que se vai financiar uma medida destas? É perguntar a quem engendrou o plano de resgate da banca.

O pregão SALVAR AS PESSOAS, NÃO A BANCA pode começar a materializar-se aqui.

Ana Sofia Ligeiro

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