É preciso compreender o fenómeno Chega. Para isso falemos de populismo. E este é anti-sistémico, imprevisível, paternalista, incendiário e incontrolável, pois as suas propostas são destrutivas, mas também confusas ou pouco concretas. Do ponto de vista do discurso o bom populista precisa de dizer ao povo o que ele quer ouvir e dirigir-se ao mesmo como fosse uma entidade única e homogénea. O populismo almeja agradar às massas, tenta satisfazer as suas vontades e necessidades imediatas, mesmo que estas não tenham viabilidade no futuro e, sendo paternalista, infantiliza a quem se dirige; além do mais aproveitando-se das carências e insatisfação do povo, o demagogo manipula-o a seu belo-prazer (Galito, 2017).
Um partido populista faz oposição ao regime, mas vai mais longe, criticando o mau funcionamento da democracia representativa existente, mas não pretendendo ser antidemocrático, pelo contrário, defende a ideia genérica duma democracia (mais) direta, capaz de punir as instituições intermediárias que fazem frente à “verdadeira e não corrompida vontade do povo” (Torre, 2007). O líder populista vangloria-se ser o agente do Bem e de ser o porta-voz da maioria injustiçada contra os lobbies de interesses particulares, ou dos grupos minoritários privilegiados que impedem a felicidade da população. Se for necessário derrubar barreiras, torna-se anti-sistémico e, nessa medida, afirma-se como sendo uma rutura com o status quo. A atual pandemia propicia ainda mais este fenómeno porque a crise económica e o desastre social que vivemos leva a um profundo desgaste e insatisfação em face dos recursos escassos, sendo mais previsível as pessoas recorrerem a soluções fáceis que parecem resolver todos os problemas rapidamente, mas são ilusórias. Veja-se consequentemente a votação obtida por André Ventura e era aqui que queria chegar.
Santana Pereira, investigador de ICS, explica que o “populismo na forma” se concretiza por “uma excessiva simplificação do discurso, uma grande agressividade na polarização da sociedade e o aperfeiçoamento de mecanismos de comunicação”. Por sua vez, Paula do Espírito Santo, investigadora do ISCSP assinala como pontos-chave no discurso a “dependência da cultura da nação” e “a identificação com o espírito da mãe pátria, com o conceito supremo de nação, que não explicam”, apresentando-se como salvadores da pátria”. Acrescenta ainda que outro traço central é que o populismo é “a resposta em situações extremas de crise, os populistas surgem para ordenar a nação e expurgá-la de grupos que dizem que fazem mal à nação”.
Como podemos aquilatar, o partido de André Ventura encaixa como uma luva na descrição do populismo de direita. E na verdade concluímos que segue um padrão, parecendo que leu e pôs em prática fielmente a cartilha sobre a construção dum líder populista. Nada de novo, portanto, a receita tem sido cozinhada noutros países, mas a sua confeção ainda não tinha sido praticada entre nós e deixou-nos um sabor amargo.
É preciso também ter em conta que as redes sociais potenciam o populismo, que sempre houve (mas faltavam-lhe lideres carismáticos), mas era mediado pelos jornalistas. Agora a opinião e a informação passa diretamente e pode potenciar o populismo porque se pode dizer as maiores barbaridades sem travão, de forma inconsequente e sem responsabilização, porque a comunicação não é mediada pelos jornalistas.
Mas atenção, numa democracia, muitos líderes condenam o populismo, mas à medida que este avança tomam iniciativas e proferem discursos que lhe estão muito próximos. A diferença está nas fronteiras entre o que é popular e populista, e estas são porosas. Por isso a verdadeira esquerda não pode de modo algum cair no jogo e no caso do nosso país, respondendo à demagogia populista do Chega com outra de sinal contrário.
* Rui Cortes
