No próximo dia 15 de Janeiro, a central termoeléctrica da EDP em Sines vai encerrar. Com uma potência instalada superior a 1 GW, consome anualmente cerca de 3,8 milhões de toneladas de carvão, 64% de todo o carvão importado em 2017, sendo responsável por quase 2/3 das emissões poluentes devidas à produção de electricidade por combustíveis fósseis em 2017.
Porém, hoje, a substituição das fontes energéticas fósseis, altamente poluentes e finitas, como o carvão ou o petróleo, por fontes renováveis, como o sol ou o vento constitui um contributo fundamental para a sustentabilidade ambiental.
A EDP foi, no entanto, uma das empresas que melhor reflecte o processo de recuperação capitalista ocorrido em Portugal depois da sua constituição em Abril de 1975, a partir da nacionalização de 13 pequenas e médias empresas de produção de electricidade. Sofreu um prolongado processo de privatização a partir dos anos 90, por acção dos governos do bloco central.
Em 2000, o Estado cede a maioria na empresa, depois de uma transferência massiva de acções do sector público para o privado e do governo do PS de José Sócrates, lhe atribuir um CMEC, Custo para a Manutenção do Equilíbrio Contratual, que garante à EDP, numa licença sem prazo, a compensação pública do preço de toda a energia produzida baseada num valor acima do custo real de produção. O processo de privatização acelerou em 2011, no governo de direita de Passos Coelho, com a entrada dos chineses da Three Gorges no capital da empresa e em 2013 com a venda das últimas acções que o estado dispunha. Todo este processo suscitaria suspeitas de corrupção e favorecimento em negócio que levou à exoneração dos dois principais administradores da empresa.
Com o fim da CMEC em 2017, os lucros da EDP deixaram de estar garantidos face a novos impostos sobre a produção a carvão ou ao preço das licenças para emissão de CO2, num quadro de envelhecimento da própria capacidade produtiva da central de Sines que, com mais de 30 anos de vida, que se tornava assim obsoleta, perdendo vantagem em relação às energias renováveis.
É esta conjugação que factores, próprios da lógica mesquinha de um capitalismo protegido e sempre ávido de lucros, que levou a EDP, a antecipar a data de fecho da central, inicialmente prevista para 2023, o que não teve nada que ver com qualquer preocupação de transição energética. Porém, independentemente disso, o encerramento é um justo e importante contributo para a descarbonização da economia, no combate às alterações climáticas.
No entanto, este encerramento ameaça o emprego cerca de 400 trabalhadores, 107 da EDP e os restantes das empresas subcontratadas, que asseguram trabalhos de manutenção em áreas e tarefas que a EDP ao longo dos anos foi preferindo entregar a outras empresas, porque isso lhe era economicamente vantajoso. É entre estes trabalhadores que os salários são mais baixos e a precarização esmagadora.
Os 465 milhões de euros com que a União Europeia pretende financiar o abandono da produção de energia através de combustíveis fósseis devem servir precisamente para garantir o direito ao trabalho para a totalidade dos trabalhadores afectados com o encerramento da central e para a reconversão industrial da região.
A requalificação profissional destes trabalhadores deveria implicar a criação de uma empresa pública de energias renováveis, aumentando a capacidade de produção a partir dessas fontes energéticas e diminuindo drasticamente a importação de electricidade que ainda se verifica.
Os investimentos no chamado hidrogénio verde a instalar em Sines, assente num consórcio entre a EDP, a GALP ou a REN, que conta com um investimento público da ordem dos 900 milhões de euros, têm criado algumas expectativas. A confirmar-se o seu arranque em 2021 e a produção em 2022, o que é duvidoso, faz todo o sentido que muitos dos trabalhadores afectados pelo encerramento da central, transitassem directamente para esse projecto sem serem considerados como desempregados, como propõe o SIEAP, o sindicato do sector.
O hidrogénio verde, desde que produzido com base nas energias renováveis, pode efectivamente ajudar a descarbonizar a economia, assegurando emprego a muitos trabalhadores. Se, porém, com a participação da GALP no consórcio como grande consumidor para, através da refinaria de Sines, utilizar o hidrogénio para a refinação do crude, como reconhece o ministro do Ambiente, então o projecto do hidrogénio verde serviria para reforçar a produção de combustíveis de origem fóssil, o que é largamente contraditório com os objectivos da transição energética e do combate às alterações climáticas apregoados pelo governo do PS, fortalecendo os grandes interesses económicos no sector da energia.
Uma coerente transição energética de feição socialista tem de aliar sustentabilidade ambiental, amplos direitos laborais e melhoria das condições de vida dos trabalhadores e do povo. Não se pode fingir que se está a mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma do ponto de vista da sustentabilidade ambiental e da relação do capital com o trabalho.
* João Madeira
