As conclusões políticas do recente Congresso do PCP são matéria interessante, sem dúvida, mas ficarão para outras ocasiões. Limitar-me-ei, por agora, a algumas reflexões sobre a realização do próprio Congresso, num contexto pandémico.
Grande parte dos comentários foram motivados por uma evidente e mal disfarçada animosidade à esquerda e, em particular, ao PCP. A preocupação com a propagação com o COVID-19 não passou aí de um mero pretexto.
A ofensiva que chegou ao ponto de sugerir a proibição do Congresso proveio, na maior parte das ocasiões, dos mesmos que não se incomodaram com o espetáculo degradante do Congresso do partido proto nazi, há tempos realizado em Évora. Nesse conclave da extrema direita não havia máscaras, o distanciamento físico esteve ausente e a confusão foi generalizada. Nada da palhaçada de Évora parece ter incomodado por aí além os agora autoproclamados zeladores da saúde pública, a propósito do Congresso de Loures.
Deixemo-los de parte, pois tanta incoerência é bem reveladora das suas mal ocultas motivações.
No discurso contra a realização do Congresso do PCP surgem, no entanto, outras duas linhas de pensamento mais subtis e talvez mais perigosas.
Por um lado, reconhece-se que a realização da assembleia magna dos comunistas foi legal, ainda que estando o país em estado de emergência. Simplesmente, dada a grave pandemia de COVID19, a sua realização não teria sido “oportuna”.
O argumento é inconsistente, pela simples razão de que é aos promotores de um congresso partidário e a mais ninguém que cabe decidir sobre a sua oportunidade ou não. Desde que cumpridas todas as normas sanitárias, ninguém fora do partido em causa, seja ele qual for, está em posição de considerar inoportuna a realização de um congresso.
Mas, uma outra ideia subjaz às considerações sobre a oportunidade ou inoportunidade do congresso de um partido, neste caso o PCP. É o pressuposto de que a política é uma atividade diletante, secundária. Se não mesmo marginal.
Para quem assim pensa é lógico e natural que as empresas procurem superar as dificuldades criadas pelo COVID-19 e continuem a laborar, com trabalhadores nos seus locais de trabalho. E é natural que os transportes públicos continuem à pinha em horas de ponta, com gente impossibilitada de optar pelo teletrabalho.
Tudo isto estará certo, pois é essencial manter a economia a funcionar. Já um congresso partidário pode ser adiado para data oportuna, ainda que os partidos sejam estruturantes da democracia.
O que afinal esconde este raciocínio é um desprezo pela democracia e pelo papel essencial dos partidos. Trata-se, de facto, da pulsão autoritária a vir ao de cima, a coberto da pandemia.
Já depois do conclave comunista, perante o modo como correu e as suas conclusões, surgiu um novo fundamento para a crítica à sua realização. A de que tinha havido tanto empenho num evento de onde, ao fim e ao cabo, não havia saído nada de novo.
Tendo à frente as conclusões políticas do Congresso, a opinião — porque de uma opinião se trata — é respeitável. Assim como é respeitável a opinião contrária, assumida pelos militantes do PCP. O que é evidente, é que o PCP garantiu as condições para cumprir a data do seu Congresso, o que o valorizou, não se refugiou em argumentos sonsos, como referiu um dos seus dirigentes, e soube afirmar na prática que a democracia não está suspensa.
Mas, é publico que deste Congresso do PCP saiu também uma nova direção do partido e, portanto, com mandato claro, substituindo a anterior cujo mandato havia chegado ao fim. Pode-se criticar o funcionamento interno do PCP, mas neste caso não se pode deixar de reconhecer a transparência e o cumprimento das suas regras estatutárias, condição democrática essencial em qualquer organização, muito mais numa de caráter político
Menorizar a eleição democrática da direção de um partido no seu devido tempo, ainda por cima ocorrida em circunstâncias tão difíceis, é mais um preocupante sinal de como a democracia e (pior) as práticas democráticas são subvalorizadas. Ou adiadas para “altura oportuna”.
Carlos Matias
