A minha cor é a minha herança?

A manifestação anti-racista de dia 6 de Junho foi pródiga em slogans. Sobre a pertinência de muitos e o desajuste de alguns já se falou e escreveu. Ainda assim, teimo em reter um deles: “A minha cor é a minha herança”. A cor é a da pele, suponho.

Assumindo essa leitura, a afirmação parece inquestionável. De tão natural. No entanto, está longe de o ser. A cor da pele não é uma herança recebida dos progenitores de forma inequívoca e ponto final. Bem pelo contrário. Resulta de uma construção social e, nalguns casos, de uma escolha individual. Lembro-me daquela activista de tez clara tão orgulhosa da sua negritude.

E fará sentido reivindicar como herança a cor? Fora este slogan empunhado por um sujeito branco, como o entenderíamos? Como uma manifestação de racismo? A questão não se compadece de respostas simples, contudo, permanece.

Talvez o combate contra o racismo se faça em terreno armadilhado… Quando aceita tomar partido da raça dos oprimidos contra os opressores, sem mais, negligenciando categorias como, por exemplo, a classe. E ao fazê-lo, de forma implícita, aceita a existência de raças… O passo seguinte é a discussão de diferenças? E de catálogos?   

O combate ao racismo estará destinado ao fracasso, se não partir da radical negação do conceito de raça? Sendo a resposta afirmativa, serão contraproducentes propostas como a inclusão de categorias étnico-raciais nos censos populacionais – de resto, a informação pretendida pode ser recolhida através de outros instrumentos – ou a definição de cotas para grupos específicos. No limite, formas de institucionalização da discriminação racial.

Decorre desta argumentação que as associações ou os activismos suportados em questões étnico-raciais devam ser desmerecidos? Sem dúvida, heranças como a cor podem ser um elemento identitário mobilizador e promotor de resistências. Todavia, de alcance longo ou limitado?

A luta contra o racismo ganha uma forma e dimensão renovadas, justamente, quando ao particularismo deste ou daquele grupo contrapõe a humanidade de todos. Por isso encontramos homens e mulheres diversos nas manifestações, irredutíveis a uma qualquer paleta cromática.

Sendo produtiva esta linha de raciocínio, dela resultaria uma implicação prática. Será necessário criar uma agenda anti-racista suplantado grupos, problemas ou soluções específicas. Antes, assente em questões transversais capazes de construir alianças e mobilizações amplas. A revisitação dos manuais de História – aliás, intrínseca à disciplina – é necessária para lhes acrescentar cores em falta ou para dar conta da diversidade humana?

As respostas começam sempre com uma pergunta ou várias.

Deixe uma Resposta

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.