A atual pandemia Covid-19, veio expor e acentuar as enormes desigualdades económicas e sociais existentes na nossa sociedade, a desproteção social e precariedade laboral que já se viviam, ou o enfraquecimento que foi imposto aos serviços públicos durante anos, que a crise não é democrática atingindo de forma violenta os mais frágeis, mas veio também evidenciar, uma vez mais, o corrosivo “Presidencialismo Municipal” para as democracias locais.
Quem não se deparou nestes meses com a desvalorização de órgãos de consulta democrática como as Assembleias Municipais, a inexistência de consulta popular ou a supressão de reuniões com a vereação, em contraste com a aparição constante da figura do ou da Presidente da Câmara Municipal, seja na apresentação de “medidas locais de emergência”, entrega de equipamentos de proteção individual, entrevistas, caridadezinha, fotografias… e todo um constante culto de personalidade, musculado pelos meios camarários de propaganda?
Na Constituição da República Portuguesa, artigo 239º ponto 3, pode ler-se que “O órgão executivo colegial é constituído por um número adequado de membros, sendo designado presidente o primeiro candidato da lista mais votada para a assembleia ou para o executivo, de acordo com a solução adotada na lei, a qual regulará também o processo eleitoral, os requisitos da sua constituição e destituição e o seu funcionamento” e é aqui que começa o Presidencialismo Municipal.
Este regime aumenta a concentração de todas as atenções na figura do Presidente, já por si detentor da “fatia de leão” no que respeita a competências e poderes, desvalorizando o papel dos órgãos deliberativos, como a Assembleia Municipal, que é “eleita por sufrágio universal, direto e secreto dos cidadãos recenseados na área da respetiva autarquia, segundo o sistema da representação proporcional”, enfraquecendo a democracia local e abrindo caminho ao clientelismo, à submissão, abuso de influência e à corrupção.
Neste contexto, e considerando que não se prevê para breve uma alteração à Constituição que corrija este erro, podemos e devemos legislar com vista a eliminar a eleição para Câmara Municipal e Assembleia Municipal em separado, passando a existir apenas uma eleição para a Assembleia Municipal, emanando dela um executivo. A Assembleia Municipal, passaria a ter um reforço substancial na sua capacidade de fiscalização do executivo, uma maior periodicidade de reuniões e acesso total aos documentos de gestão do executivo. Note-se ainda que o órgão Assembleia Municipal deve apenas ser composto pelos seus eleitos diretamente, retirando o atual direito de voto aos Presidentes de Junta de Freguesia que nela participam por inerência, deturpando a proporcionalidade resultante da eleição democrática.
A pouco mais de um ano para as Autárquicas 2021, é nossa responsabilidade pugnar pela democratização do poder local, e se não podemos resolver o problema pela raiz (para já), podemos fazer caminho, não devemos desperdiçar nenhuma oportunidade de caminhar nesse sentido.
Teremos alguma razão para não avançar com esta proposta?