Para lá do uso da máscara. Três notas e meia

Declarada a pandemia, tornou-se banal dizer que estamos em guerra. Assim faz tanto o político encartado como o lojista do bairro. É uma guerra insidiosa e de difícil combate, contra um inimigo invisível! E ninguém contesta. Mas será a apreciação ajustada? Estaremos em guerra? As estruturas habitacionais e de produção material estão intocadas. A população não é destroçada por beligerantes sequiosos de sangue. A subsistência alimentar da comunidade continua assegurada… Então porquê falar da guerra? E não em combate ou luta, por exemplo. Talvez porque o medo associado à guerra seja sempre um dissuasor da crítica, do protesto, da acção. Estando em guerra ou, mais tarde, na recuperação do pós-guerra não se afigura legitimo contraditar quem domina o país. Sabe ao que vai quem acena com a necessidade de um governo de União Nacional. Afinal, numa guerra devemos estar todos unidos num mesmo objectivo, inquestionável.

O número de mortos pela Covid-19 nos lares de idosos é assustadoramente inquietante, em Portugal como um pouco por toda a Europa. O senso comum dirá que era inevitável uma tão grande mortalidade. Os idosos são uma população de risco reconhecida e bem identificada. Como se estes homens e mulheres estivessem condenados. Estarão? Temo que tamanho número de óbitos se deva, para além das características etárias dos sujeitos, à forma como temos lidado com eles. Como os temos acantonado. Pergunto-me se estes idosos não estariam melhor protegidos da pandemia noutros locais de residência, desde logo, mais dispersos. Coloco por hipótese que sim! Basta conhecer as deficitárias instalações de alguns lares para a hipótese se tornar plausível. Mas então como acomodar estes seniores retirando-os dos lares? Independentemente da solução encontrada, ela vai obrigar a um corajoso afrontamento de algumas instituições geriátricas instaladas, a começar pelas Misericórdias. Não poderia o Estado transferir as verbas entregues às Misericórdias – por  cada idoso institucionalizado – para cuidadores (familiares ou outros) que façam um acompanhamento doméstico? Por certo, a questão é tão inconveniente quanto pertinente.

De súbito, o Ministério da Educação mostrou-se muito incomodado com os alunos que ficaram excluídos da Escola por não terem acesso à Internet ou ao computador. E, vai daí, deitou mão da nova tele-escola. Foi a solução possível. Não desmereço a iniciativa. Simplesmente, lido mal com a hipocrisia. Afinal, a dita “Escola Inclusiva”  – chavão  tão inebriante para uma esquerda bem instruída… – implementada por este governo mais não fez que reforçar linhas de discriminação social. Ao esvaziar o ensino de critérios de exigência e responsabilidade fez da Escola Pública uma instituição menor destinada a certificar os desfavorecidos, ao invés de os emancipar. E, em simultâneo, caucionou o recurso a explicadores para os afortunados. Por estes dias, ouvi uma professora lamentar a perda de contacto com uma aluna cigana sem acesso à Internet, tal como antes da pandemia achava natural que rapariga estivesse no 8º ano, sem saber ler nem escrever devidamente, com um currículo particular onde aprende lavores. Em síntese, a exclusão apenas se tornou mais preocupante porque escapou ao controlo e, sobretudo, ganhou visibilidade. Sim, a exclusão pode ser uma parte integrante, aceite e normalizada, deste sistema de educação.

Uma esquerda coerente não se pode acomodar ao politicamente correcto. Pelo contrário, deve ter a coragem de o questionar. E, sendo caso disso, propor soluções capazes de transformação social. Sem receio de confrontar o poder estabelecido. Sobretudo, no tempo da pandemia.

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