Passados que foram os anos da Geringonça, em que o PS foi obrigado, por falta de maioria na Assembleia, a negociar com o Bloco de Esquerda e com o PCP e PEV, medidas que jamais aplicaria, a crer no seu programa político eleitoral, elaborado por Centeno, para poder ser governo, após uma maioria, clara, de esquerda no Parlamento, que impossibilitou a direita de governar, a não ser que com o apoio do PS, o novo ciclo, iniciado após as últimas eleições de Outubro desmonta a continuidade dessa realidade anterior. Por vários factores:
- A eleição de novo presidente da República, favorável à recomposição da direcção do PSD ao centro, tendente a reconfigurar nova colaboração tipo Bloco Central em questões de regime e de políticas estruturais;
- A eleição de novo líder do PSD, Rui Rio, que afasta uma liderança, a de Pedro Passos Coelho, desgastado pela governação das políticas austeritárias da troika, mais adepta da bipolarização política e do confronto com o Partido Socialista, e se disponibiliza a ajudar uma possível governação minoritário do PS, desde que o PS não encoste à esquerda na busca de apoios à governação;
- A vitória do PS como o partido mais votado e o único que cresceu eleitoralmente, embora sem atingir a maioria absoluta;
- O desgaste, eleitoral, do PCP pela sua colaboração com o governo da geringonça, difícil de entender para uma massa militante que ouviu durante 45 anos a caracterização de que o PS era o mesmo que a direita, logo um partido de direita;
- A estagnação/descida do Bloco de Esquerda em cerca de 60.000 votos, mantendo os deputados mercê da emergência em Braga e em Aveiro, mas perdendo nos dois principais centros urbanos, Lisboa e Porto;
- A emergência de novos partido, antes extra-parlamentares, na nova realidade parlamentar, incluindo a extrema-direita e um do Livre, que já tratou de se esfumar em crises internas…..
- Após as eleições, o Bloco fez bem em disponibilizar-se para nova confluência para uma governação à esquerda, apesar de o PCP, após o desaire eleitoral, ter informado que não estaria disponível para nova geringonça. Assim o esperava a maioria dos eleitores/militantes do PS e do Bloco, com quem o Bloco terá de manter capacidade de diálogo e confluências.
António Costa que durante a campanha, e em dias alternados dizia que queria dar continuidade à geringonça e ao mesmo tempo descarregava ataques ao Bloco de Esquerda, por vezes com narrativas falsas e inaceitáveis do ponto de vista ético e da verdade dos factos.
No entanto, certo dia, depois de uma reunião com a CIP, pela manhã, vem dizer à tarde, António Costa, que não haverá geringonça e que essa fórmula governativa não se reeditaria, afastando, definitivamente, qualquer possibilidade de acordos para a governação, com o Bloco de Esquerda.
Depois dos dados lançados pelo líder do PS restava ao Bloco fazer sentir junto do país que apoiou e gostou da única experiência de governação parlamentar à esquerda, em democracia, nos últimos 45 anos, que a responsabilidade não era sua, mas de António Costa. O papel do Bloco de Esquerda seria, pois, o da oposição, e disponível para questões pontuais de esquerda.
O Orçamento para 2020 revelou que o PS iria continuar na senda da contenção orçamental, com a obsessão do deficit zero, com contenções no investimento público, sem intenção de correcções salariais de carreiras de diversos sectores da função pública, como professores, enfermeiros, profissionais das forças de segurança, reformados, etc e com a mesma intenção se seguir como bom alunos das políticas neo-liberais/austeritárias europeias, agora com Centeno como líder do euro-grupo a dar e gerir essas mesmas indicações…
A disposição do Bloco de Esquerda deveria ser de oposição a este orçamento, a princípio, e declaradamente. Não é um orçamento negociado à esquerda, o PS quis seguir o caminho isolado e arrogante, não negociando com ninguém e, portanto, seria escolha exclusiva do PS esse caminho e de mais ninguém. Era ele o único responsável se o orçamento fosse chumbado no Parlamento.
O Bloco não seguiu esse caminho e não soube pressionar o suficiente para fazer ver ao PS que esse caminho do isolamento não servia ao país nem viabilizaria um governo seu.
Não o soube fazer, agora, como em outras ocasiões tampouco soube afirmar-se como força determinante para a governação à esquerda forçando os responsáveis do PS a ceder por políticas de esquerda, como nos dois últimos anos da geringonça.
O Bloco de Esquerda troca a sua viabilização ao orçamento de estado para 2020 por uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma. Nunca explicou ao país nem à militância que medidas, concretas, estava a negociar, nem depois da suposta negociação terminada foi explicado, com clareza, quais as medidas concretas aceites pelo governo e que não estavam anteriormente, para o Bloco assim proceder. Um erro grave.
O Bloco não sabe fazer valer as suas coerências à esquerda e não se pode deixar intimidar pela chantagem de novas crises ou novas eleições. Essas chantagens não servem ao país, essas chantagens só demonstram a arrogância de António Costa, neste novo ciclo político, que passou a ter duas obsessões, a do deficit 0 e a da maioria absoluta, nem que tenha, para isso, de hipotecar a estabilidade governativa e a governação à esquerda, com tanta correcção que há para fazer na saúde, na educação, nas reformas, nas pensões, no investimento público.
O Bloco de Esquerda como força socialista, democrática e popular, nestas circunstâncias, só poderá defender o seu programa e opor-se a uma governação que cada vez mais se tende a afastar da governação anterior e caminhar para confluências com as forças patronais e das direitas. A legislação laboral e ataques à contratação colectiva, dos tempos da troika é uma delas, claríssimo como água, em que o PS conflui com as forças de direita e com o patronato. O caos nos serviços de saúde, e a situação da subida, miserável, do salário mínimo e das pensões são outros casos flagrantes. No entanto para os bancos há sempre dinheiro disponível, como é o caso do Novo Banco.
Perante este cenário, desesperançoso, resta ao Bloco de Esquerda como força democrática e socialista na oposição apoiar e incentivar as mais diversas lutas e os mais diversos movimentos cidadãos para tentar alterar este estado de coisas e obrigar o governo a corrigir políticas erradas. As lutas do presente, do passado e do futuro são o factor, determinante, identitário, do Bloco de Esquerda. O Bloco deve centrar a sua intervenção em torno dos seus militantes de base e da sua inserção nas lutas mais que justas que existem e irão surgir, apoiando-as e incentivando-as. O Grupo parlamentar deve ser, no parlamento, o reflexo dessas lutas e dessas reivindicações, o porta-voz da cidadania e das suas lutas. Nenhuma situação social, ambiental, laboral e politicamente injusta deve ser alheia à intervenção e apoio do Bloco, como é o caso dos motoristas e sobretudo os de matérias perigosas, trabalhadores de turno, trabalhadores das forças de segurança, precários e falsos recibos verdes, para dar alguns exemplos.
Queremos continuar a construir cidadania, caminhos e vitórias, e isso não se faz viabilizando orçamentos que são a negação disso mesmo, porque coloca o Bloco como responsável por todas as políticas que venham a ser aplicadas por este orçamento constritor e neo-liberal… o que dirá a actual direcção do Bloco a essas interpelações cidadãs?
Só pode pedir desculpas e arrepiar caminho. Falhou.
Por um Bloco de lutas e para as lutas da cidadania, para um governo e políticas de esquerda e eco-socialistas.
Francisco Colaço